Medidas
Ela era
um rio caudaloso e inconstante, embriagava-se com os acontecimentos e possibilidades
da carne e da existência; ele, um riacho que corria por vias seguras e
protegidas, distantes dos turbilhões, sorvia a vida aos poucos, lentamente, em
doses sociais e controladas, através das chuvas e resíduos das folhas das
árvores que o cercavam. Um dia, como qualquer outro, bateram-se, cruzaram-se e,
assim, experimentaram o outro lado, o desconhecido. O rio invadiu o pequeno
riacho, que sentiu a força e vivacidade; ela, o rio, ao adentrar naquele mundo
estranho, experimentou a segurança e a tranquilidade. Os sentimentos se confundiram,
o rio desejou ser riacho, e o pequeno riacho teve sonhos de grandes mundos, de
experimentar a vida em plenitude. Permitiram-se. Contudo, descobriram que não
podiam abandonar suas naturezas, o riacho sentia-se deslocado, perdido, não
sabia como ser rio, afogava-se com o fluxo descomunal. Já para o rio, aquela
zona de segurança e conforto não comportava seu ímpeto para correr livre e
forte. Assim, antes que pudessem perceber, desdenhavam um ao outro,
esbravejavam, magoavam-se. E, assim, com o fim das épocas de chuvas, foram
recuando para seus lugares, seus territórios originais, feridos e despidos da
inocência original, pois agora sabiam da existência um do outro, do sabor daqueles
lugares e das suas possibilidades. Ela, agora, era um rio com uma alma de
riacho; Ele, um riacho com sonhos de rio, ambos limitados a olhares distantes
e transbordados de saudades e carinhos.
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