terça-feira, 17 de maio de 2016

Histórias curtas 4

          Medidas

      Ela era um rio caudaloso e inconstante, embriagava-se com os acontecimentos e possibilidades da carne e da existência; ele, um riacho que corria por vias seguras e protegidas, distantes dos turbilhões, sorvia a vida aos poucos, lentamente, em doses sociais e controladas, através das chuvas e resíduos das folhas das árvores que o cercavam. Um dia, como qualquer outro, bateram-se, cruzaram-se e, assim, experimentaram o outro lado, o desconhecido. O rio invadiu o pequeno riacho, que sentiu a força e vivacidade; ela, o rio, ao adentrar naquele mundo estranho, experimentou a segurança e a tranquilidade. Os sentimentos se confundiram, o rio desejou ser riacho, e o pequeno riacho teve sonhos de grandes mundos, de experimentar a vida em plenitude. Permitiram-se. Contudo, descobriram que não podiam abandonar suas naturezas, o riacho sentia-se deslocado, perdido, não sabia como ser rio, afogava-se com o fluxo descomunal. Já para o rio, aquela zona de segurança e conforto não comportava seu ímpeto para correr livre e forte. Assim, antes que pudessem perceber, desdenhavam um ao outro, esbravejavam, magoavam-se. E, assim, com o fim das épocas de chuvas, foram recuando para seus lugares, seus territórios originais, feridos e despidos da inocência original, pois agora sabiam da existência um do outro, do sabor daqueles lugares e das suas possibilidades. Ela, agora, era um rio com uma alma de riacho; Ele, um riacho com sonhos de rio, ambos limitados a olhares distantes e transbordados de saudades e carinhos.

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