Desde
o primeiro momento em que pode descrever o mundo em que vivia, brincava com
ele, seu melhor amigo, o Tempo. Andavam juntos para todos os lugares e
divertiam-se como nunca. Brincadeira de roda, amarelinha, esconde-esconde,
pega-pega, sempre com ele presente. Prometeu que nunca se separaria dele. Seria
para sempre sua amiga inseparável.
As
promessas. Pronunciadas solenemente diante de todos, quebradas informalmente na
mais profunda obscuridade. A escola chegou, as obrigações e novos amigos
surgiram, e os encontros com o Tempo passaram a ser momentos esporádicos. A
internet, o dinheiro, a rotina, as obrigações; e o Tempo foi esquecido. A
menina deixou de ser Menina, virou Mulher, vultosa, imponente, guerreira,
lutava pela parcela que lhe cabia da vida urbanizada. Teve seus filhos, que
tiveram os seus. E assim a menina virou Avó.
Depois de anos
de trabalho, teve seu último dia com a rotina estressante e corrida dos dias de
labuta. No dia seguinte, acordou no mesmo horário de sempre, desligou o
despertador da mesma maneira, caminhou até o cabide para apanhar o roupão, foi
ao banheiro e tomou uma demorada ducha e realizou a higiene matinal. Saiu do
quarto, teve ímpetos de acordar os filhos, mas eles já não estavam ali há algum
tempo, desceu as escadas, tomou um rápido café, comeria uma coisa no caminho,
então lembrou: não havia mais caminho, não havia mais destino, não havia
compromisso. Sentiu-se envergonhada de ter esquecido a aposentadoria, sentia-se
forte, por um instante teve vontade de berrar ao mundo que ainda não era hora
de parar e que se arrependerá do que fez. Contudo, uma nostalgia a alcançou,
uma sensação de dormência. Aquela sensação de estar sendo observada. Olhou para
os lados, não havia ninguém na casa, o marido havia saído mais cedo, correu para
as escadas e subiu apressadamente para o quarto. Trancou a porta, novamente o
pânico fez-se presente, correu ao banheiro. Lavou o rosto apressadamente,
precisava acordar desse sonho. Levantou
o rosto e o que viu no espelho a chocou.
A Menina não se
reconheceu. Tinha em sua mente uma autoimagem, acima de qualquer indício que
fotografias e gravações pudessem contestar. Imediatamente perguntou-se onde
havia deixado a Menina. Em que ponto ficou a Mulher? De canto de olho,
encontrou um velho amigo no reflexo do espelho. “Bom dia, Menina!” ele falou
animadamente. Estava exatamente do jeito que ela lembrava, o Tempo estava ali
ao seu lado. Teve vontade de pedir perdão por tê-lo abandonado, mas não
precisou. Ele a entendia, disse que poderiam brincar muito ainda. Ela
protestou, disse que agora era uma Avó, não podia com tais luxos. O Tempo riu, olhou-a
nos olhos e disse: então, Menina-Avó, vamos brincar de ser criança!