quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Discernimento

                Discernimento, palavra relativamente longa e igualmente pouco usual no dia a dia, porém extremamente importante para a vida. O ato de discernir, talvez, venha a ser a prova irrefutável de autoconhecimento, de tranquilidade, de se saber como indivíduo. Sim, passamos boa parte da vida - na verdade, toda a vida – procurando saber quem somos e o que realmente desejamos. Existem aqueles que não trocam por nada no mundo uma boa e velha comidinha caseira, um arroz e um feijão recém feitos são mais do que o suficiente para compor um delicioso buffet. Entretanto há aqueles que optam por pratos mais elaborados, aguardam horas ansiosamente por uma boa e recheada lasanha. Não há um certo ou errado, apenas escolhas. Logo, discernimento para realizá-las passa a ser subsídio básico para uma vida.
                O todo do mundo, em sua grande maioria, trata-se de uma questão de escolha. Apesar de parecer algo fácil, escolher exige uma gama imensa de atribuições e qualidades. Aquele que escolhe, primeiramente, precisa saber o que realmente deseja. Para saber o que realmente deseja, é preciso, antes de mais nada, autoconhecimento. Autoconhecimento é possuir claro em sua mente o que considera como prioridades para si mesmo. Nunca esquecendo de que algumas escolhas, por questões óbvias de bom convívio social, não devem entrar em pauta, como matar ou não alguém, incluindo o colega de serviço ou de aula que acidentalmente deletou todo um arquivo com um trabalho fruto de meses de esforço.
                Em inúmeros momentos, acreditamos que a resposta aos nossos problemas está na casa ao lado, no que o outro fez quando estava diante da mesma situação, no que os outros pensam que deveria ser feito nessa mesma situação ou, simplesmente, no que suspeitamos que a sociedade faria em nosso lugar. O que relutamos para entender e aceitar é que a resposta correta está dentro de nós, assistindo a nossas decisões todos os dias, vivendo nossas escolhas; esquecemos de que somos senhores de nós mesmos, arcamos com todas as consequências de nossos atos, vivemos com nossas escolhas, isolados e sozinhos. Talvez o segredo de tudo seja realmente o discernimento de compreender o que nos faz bem, o que permite que possamos seguir, nem certo nem errado, apenas o que julgamos correto para nós, não para o mundo; uma vida, uma cabeça.
                Discernir não tem idade para começar, não possui proibição, exige apenas disposição para se desnudar diante do espelho, retirar as camadas e camadas de aparências, de máscaras, de atuações, de receios, de adequações; exige sinceridade consigo mesmo. No final, sempre existirá uma predileção, um preferir, um considerar melhor; arroz com feijão ou lasanha são apenas opções, nem melhores e nem piores. Se conseguir enxergar a você mesmo, as escolhas não serão mais difíceis, as encruzilhadas deixam de ser duvidosas, tudo passa a ser um longo e plano caminho de tijolos amarelos.

                Caso alcance esse caminho, faça um favor, volte e me conte como.

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Histórias curtas 9

Momento



Foi com relutância que postou-se ali, à frente do que a assustava, uma gladiadora aguardando a iminente batalha. Por dias negou-se a encarar o fato, a decisão tomada, pois desfrutava da dor do deslizar lento e suave daquelas palavras frias em seu peito, postergando o golpe derradeiro, o movimento misericordioso. Já estava a amar a dor da dúvida, pois era o único vínculo que a mantinha ligada a ele. Amava-a odiando, lamentava a vida que não possuía. Porém, naquele momento, tudo isso era passado, descortinara a verdade, entendera que de respostas não respondidas, projetos não terminados e desilusões formalizadas, estruturava-se isso a que chamava de vida. Frequentemente eram as perdas e decepções que forneciam e colocavam os tijolos mais sólidos, com os quais ela elaborava as construções mais requintadas. Sabia que desse tijolo não esqueceria e o colocaria em um ponto especial de sua estrutura. Abriu o bilhete, não se deu ao trabalho de lê-lo por inteiro, limitou-se ao “desculpe, mas não posso mais...”. Fechou-o para sempre, depositou sem raiva, sem emoção, na lixeira ao lado. Edificou-se, tornou-se mais, o milagre da vida acontecendo. Foi viver, mais experiente, mais forte, mais viva.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Quero jogos olímpicos para sempre

            Eu quero jogos olímpicos para sempre! Não, não sou um aficionado inveterado em relação a alguns esportes olímpicos, não trocaria, por exemplo, uma tarde de sol, deitado em meu sofá e assistindo a um bom filme – sim, adoro ficar em casa, mesmo em dia de sol – por uma tarde acompanhando as disputas finais do Badminton. Eu quero os jogos para sempre pelo que proporcionam e representam.
            Os jogos do Rio de Janeiro desnudaram uma faceta até então desconhecida do povo brasileiro: pessoas organizadas e seguidoras de normas, educadas e respeitosas. Demonstramos ao mundo que, sim, somos uma nação igual às demais e muito próxima das maiores nações mundiais. O país não apenas provou ser capaz de organizar, mostrou também ser um exemplo de retidão. Quando assaltos ocorreram, quem assaltava, realmente, eram os supostos vitimados, vitimados pela estereotipação do Brasil no exterior e pela habitual condescendência com a qual lidamos com nossos problemas. Pobres nadadores americanos, não sabiam que não lidavam com o Brasil de todo dia, desconheciam estar diante do País Olímpico.
            No País Olímpico não existia sofrimento, o povo caminhava tranquilo pela segunda maior metrópole brasileira, próximo à meia-noite, sem receios de ser abordado por um grupo armado ou surpreender-se com um arrastão repentino. Nesse cenário, poucos buzinavam para o carro vacilante no trânsito, pois poderia estar perdido; o Rio de Janeiro finalmente estava lindo. Mas as mudanças não terminaram por aí, o lado humano floresceu ostentosamente por todos os lados durante as competições. Esse lado brasileiro já foi demonstrado durante a Copa do Mundo, quando, mesmo tendo perdido por 7 a 1, um Mineirão abarrotado aplaudiu de pé aos vencedores Alemães. Contudo, nos jogos olímpicos, ele parecia estar à flor da pele. As cenas de atletas competindo à exaustão para, às vezes, simplesmente conseguirem completar uma prova e, mesmo assim, receberem todos o reconhecimento do público são mágicas; ainda mais se lembrarmos de que estamos falando do mesmo espectador que não aceita que seu time de futebol fique com o vice-campeonato. Definitivamente, tornamo-nos mais humanos.  

            No País Olímpico, a cor pouco importava, a nacionalidade não interferia, os posicionamentos políticos eram irrelevantes, gênero não fazia diferença. Eram todos atletas; todos jornalistas; todos voluntários; todos espectadores; todos pessoas, todos humanos! Isso tudo no Brasil olímpico. Por sua vez, no Brasil de todo dia, negros são vítimas de preconceito na internet, haitianos são imigrante ilegais e tiram empregos de brasileiros, mulheres recebem menos do que homens e são vítimas constantes de violência...definitivamente, quero jogos olímpicos para sempre! 

terça-feira, 16 de agosto de 2016

Histórias curtas 8

O casaco
Recebeu o primeiro ordenado, referente ao primeiro mês trabalhado, o valor correspondente ao período de 9 horas diárias de sua vida durante o intervalo de 30 dias. Passou em frente a uma loja chique, dessas que só se entra com sobrenome, olhou na vitrine, viu um casaco bonito, sabia o que fazer: entrou na loja, pediu o casaco à atendente, ela o trouxe e perguntou se ele gostaria de prová-lo. Ele disse que não, não precisava, já o tinha experimentado e vestido de todas as formas possíveis ao longo dos últimos anos. Saiu dali satisfeito, agora era gente, com nome e casaco, não precisava de sobrenome. Ao chegar em casa, investigou os bolsos, descobriu o vazio, o que restara de seu salário. Não comeria aquela noite e nas próximas também. Sentado à mesa vazia, tendo como companhia o casaco cuidadosamente repousado na cadeira à esquerda, concluiu:
- Ser gente custa muito!
Jeferson Luis de Carvalho

domingo, 14 de agosto de 2016

Histórias curtas 7

Partida

- Posso ir junto? – perguntou o filho na esperança do sim.
            Sem resposta alguma, foi sozinho ao portão aguardar, os olhos na rua, focados na sua alma que já o aguardava lá fora. Após alguns minutos, ouviu a porta bater, o pai iria sair, não olhou, como se isso evitasse o não. Sentiu uma mão em seu ombro, o homem queria passar, relutante liberou o caminho com a tristeza no coração. Sisudo, o homem venceu o último obstáculo e chegou à calçada. De repente, deteve-se a dois passos do portão que ainda possuía como companhia o menino, olhou para trás:
- Não vai vir?

            O filho sorriu, correu em direção ao pai, o coração aos saltos, teve certeza de que era o menino mais feliz do mundo! 

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Histórias curtas 6


Caroneiro

               Ela bebia o amor em doses homeopáticas, três vezes por semana. Distanciara-se das formalidades e receitas prontas, abandonara a cartilha de como amar na sua última experiência formal quando teve as regras burladas e desvirtuadas pelo outro participante do “acordo”. Sentia-se livre, aprendera a concentrar suas necessidades básicas para felicidade em aspectos seus, levava-se a si para jantar em restaurantes quando se sentia entediada, organizava sessões de séries regadas a generosas doses de pipocas, pedaços de chocolate e outras guloseimas. Segura de si, desfilava pela vida sem beiras ou curvas, não precisava delas, andava ao seu bel prazer, linha reta e objetiva, sem desvios, colocara como meta não ter parâmetros, não olhava para o lado, não se preocupava com outros, seguia sozinha à sua velocidade, ao seu ritmo. Certo dia, chocou-se com outro assim, identificou-se, gostou, ofereceu um assento dinâmico para a viagem - um dia na carona, outro dia no volante; ele não quis, ela partiu, quem dirige uma vez sua própria vida, não aceita sentar mais no caroneiro.

terça-feira, 2 de agosto de 2016

Histórias curtas 5

Destruidor de Mundos

- Não! É a última vez que aviso.
                Sentou com a cara amarrada na beirada da pequena calçada que cercava a casa. Por que não podia mexer na máquina de cortar grama? Já havia bolado toda a história, todo o enredo, a Floresta Negra, uma pequena porção de ervas que haviam crescido mais do que devia, seria devastada pela máquina trituradora do Alto Império, sob tutela do Comandante-Mor General do Escuro. O pai era um destruidor de mundos, será que ele tinha ideia do que desfazia? Chutou uma pedra com raiva, durante sua trajetória, a pedra tornou-se um bólido recém-lançado de uma catapulta, passou rasante uma aeronave com receptores em forma de antena camuflada em uma profusão de cores, e chocou-se contra a cerca que protegia o castelo inimigo, repleto das mais horrendas criaturas, que se alvoroçaram com seu impacto, prontas para o eminente embate. O Cavalheiro Solitário montou seu feroz alazão, vestiu sua máscara de combate, e foi em direção à guerra.
- Pela última vez, Carlinhos. Solta o Leão, tira esse pano de prato do rosto e sai de perto da gaiola dos pássaros!
                Era um triste dia para o Cavalheiro Solitário e o General do Escuro. Ele foi para dentro de casa, mas, de repente, viu-se em uma caverna cercada de inimigos, precisava atacar imediatamente.
- Carlinhos, o sofá! – gritou, estranhamente, uma nativa do local...