sexta-feira, 26 de abril de 2013


E o Oscar vai para?
Rodrigo Bartz
Após a cerimônia de entrega do Oscar aos glamorosos do cinema americano me entristeci profundamente. Melancolia esta causada pelo pouco reconhecimento da literatura brasileira e também pelas políticas que comandam, regem a nossa humanidade. Política que conforme o dicionário Aurélio sinteticamente significa; ciência do governo dos povos, mas que tem seu conceito e aplicabilidade totalmente deturpada no mundo atual, e infelizmente, estão em todas as esferas sociais. Após olhar o filme As aventuras de PI, baseado na obra Life of Pi, do escritor canadenseYann Martel“fiquei com a pulga atrás da orelha.
Pensei, eu conheço essa narrativa. Mais tarde vasculhando minha singela biblioteca caseira encontrei nosso saudoso póstumo escritor gaúcho Moacyr Scliar. Simplesmente idênticas a obra Max e os felinos de Scliar, publicado em 1980 e A vida de Pi, publicado em 2001, como foi batizado o livro aqui no Brasil. Intrigado pesquisei um pouco sobre o autor e tal polêmica e as incongruências e discrepâncias logo apareceram. Questionado pelo plagio e sobre se teria lido a obra de Scliar rapidamente responde que não que apenas leu uma crônica desfavorável, um comentário de JohnUpdike feita no jornal americano The New YorkTimes e quisera ele “aproveitar uma boa ideia estragada por um escritor ruim”. Mas que crônica?O jornal americano jamais publicou crônica alguma. Totalmente contraditório escreve um agradecimento a Scliar no prefácio de Life of Pi .
Poxa vida, porque não citar!
Como afirma Antoine Lavoisier, na natureza nada se cria tudo se transforma”. A própria história da humanidade e da literatura mostra que as intertextualidades e busca em fontes, obras já consagradas sempre foram comum e até aí nãoexiste mal nenhum.
Ah e a política? Peço desculpas ao leitor pela embroma. Reclamo da política porque o que comanda a humanidade por incrível que pareçatambém e/ou a literatura é ela. Por exemplo, das editoras que colocam nas estantes das bibliotecas e livrarias os ditos “Best Sellers” como Life of Pi e deixam esquecidos os Guimarães rosa, os Scliar, os Machado de Assis. O próprio prêmio Nobel é envolvido, guiado e chefiado por uma política de defesas filosóficas, editoriais e sociais que, inclusive são a metade da indicação.
Às memórias de Scliar fica aqui os parabéns, e um apertado quebra costelas. Ele que não parou de pelear e a resposta aos editores americanos que após a polêmica dariam o mundo ao escritor, e ele, dissera não. Preferiu manter a boa ideia mal aproveitada, segundo Martel e não cedeu as comercializações sem precedente.  
Mas, direis não se preocupe Scliar o oscar da literatura vai para você. E para o escritor YannMartel somente uma pergunta. Por que não citar?

SEDUZINDO PELO LITERÁRIO
RODRIGO BARTZ

Algumas reportagens são marcadas pelo literário, assim, o debate acerca de que forma o texto jornalístico impresso, repleto de recursos utilizados pela literatura, pode atuar para despertar o interesse do leitor, ganha ênfase nos dias atuais.
Essa discussão ganha força, depois da inserção da tecnologia digitalizada nas redaçõesque tem seu Boom mundial em 1970 e dez anos mais tarde no Brasil, e também com a chegada da internet menos de duas décadas depois, criando a informação em rede. Tal “avanço” faz com que a noticia alem de chegar e concretizar-serapidamente, roube a cena do impresso, até então líder na forma de levar informação. Fazendo (re)pensar e (re)construir, uma técnica de praticamente 300 anos. E ademais, conceitos, nomes e teorias da comunicação que eram e são frequentemente utilizados para “explicar” o jornalismo parecem não mais dar conta, surgindo, consequentemente, uma revolução e muitas dúvidas na maneira de se fazer jornalismo impresso.
Jamais se defendeu o uso exclusivo do jornalismo que utiliza expedientes literários, e nem que ele deva estar em todos os textos, independentemente da informação que se queira transmitir. Acredita-se, sim, que a presença do literário nas páginas dos jornais pode contribuir para seduzir o leitor e dar a ele possibilidade de perceber o fato narrado por outro ângulo, diferentedo tradicional.
Os fatos, nas reportagens são enquadrados em estereótipos para não perder as características principais do jornalismo, distanciando assim, seu leitor. Já os que bebem da literatura, por sua vez, ao se aventurar por formas que causam surpresasinesperadas de narrar, alcançam de maneira própria e individual a complexidade de uma história que está sendo contada.
Segundo Juremir Machado da Silva (2006) o distanciamento da literatura é o que torna o jornalismo cada vez menos atraente para osleitores.
Marcelo Bulhões (2007) afirma que essa técnica pode até parecer estranha para leitores de jornais do século XXI, porém vem sendo usada desde o final do século XIX e começo do XX por escritores consagrados como Eça de Queiros, por exemplo.
Na verdade, os jornais estão tentando diferentes estratégias para se reposicionar, encontrar novas justificativas para sua sobrevivência. E as reportagens que utilizam recursos literários aparecem com cada vez mais intensidade nas redações dos jornais impressos.
O jornalismo que se aproxima da literatura, carrega consigo, de fato, a potencialidade expressiva capaz de trazer uma nova percepção para a realidade cotidiana do leitor.
E em se tratando de potencialidade expressiva temos um sucesso de recepção frente ao público,que é a produção, digamos, diferente da jornalista Eliane Brum que merece nosso atento olhar. Suas reportagens trazem a temática inesperada, a narração e o envolvimento do narrador repórter na história contada.
Analisando os componentes formais e temáticos de sua produção, as reportagens da jornalista se mostram como bons exemplos da realização jornalística que utiliza recursos da literatura para alcançar a complexidade dos fatos que se narram.
Escondidas por trás da banalidade do cotidiano e daquilo que não se vê, as histórias esperam e merecem ser contadas. Utilizando os recursos literários, torna a sua narrativa, apesar de jornalística e séria muito mais atraente. Percebe-seclaramente essa técnica como, por exemplo, no texto “O exílio” da coluna A vida que ninguém vê: “Elas vivem uma ao lado da outra. Uma em cada cama. Duas ilhas que não se tocam. Há algum tempo Vany nem mesmo enxerga Celina.”, trecho em que a solidão das senhoras é comparada, analogicamente, a duas ilhas, tão próximas e ao mesmo tempo sozinhas, sem comunicação.Comum as obras literárias, tais recursos apresentam um caráter singular, diferente, ousado, fascinando, assim, muitos leitores.
O jornalismo que traz elementos comuns à literatura é potencialmente atrativo para o público leitor. Em um momento em que se discute a crisedo jornalismo impresso, a produção de ElianeBrum, por exemplo, se apresenta como uma resposta, um caminhoa ser trilhado pelo jornalismo para recuperar leitores. É importante ponderar, todavia, que ainda tem-semuito que evoluir acerca dessa relação entre jornalismo e literatura, e que até o momento não se pode afirmar que tais textos literários jornalísticos venham a ser a salvação do jornalismo impresso.
Além disso, considerando a literatura como marca de uma voz autoral, como algo que não se ensina, é de se questionar de que forma jornalistas podem desenvolvê-laDe qualquer modo, existemmuitos questionamentos e poucas respostas, mas comprova-se que o texto jornalístico literário se torna um potencial atrativo, não a salvação, mas um fortíssimo aliado para que leitores voltem às páginas impressas.


terça-feira, 16 de abril de 2013

O matador de serpentes


O matador de serpentes

      No princípio criou Deus os céus e a terra.E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas. E disse Deus: Haja luz; e houve luz. Após alguns ajustes complementares, que por agora não se fazem necessários justificarem ou relatarem, realizou Deus sua grande obra: E criou Deus o homem à sua imagem: à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. Mas por artífices do destino comeu do fruto proibido a mulher. E pagaram por esse feito todos os seres humanos desde então. Do gramado leve e macio do jardim do Éden, ficamos reféns da aridez e aspereza do restante da Terra. E para agüentar os solavancos o homem criou os sapatos. E viu que era bom e útil. A mulher viu que era bom, mas não útil, pois ficava em casa e não necessitava transpor grandes distâncias, e sim belo. E desde então para o homem o sapato é útil, e para a mulher é belo.
- O que acha amor?
- Hum...bonito!
- Também achei.
- Vai comprar?
- Não sei...ah, moça, deixa eu ver aquele ali – e largou o par de sapatos junto de outros quatro pares que havia separado. Estavam ambos há mais de quarenta e cinco minutos dentro da loja. O marido já havia decorado a ordem de disposição dos tênis masculinos há pelo menos vinte minutos e estava terminando de obter o valor total em mercadorias no espaço destinado aos pobres homens. Queria ir embora, contudo a última vez que fez isso, ouviu um risonho “tudo bem” da esposa, que se transformou em um leve mal estar no caminho para casa, que se transformou em pequeno desentendimento em casa, que se transformou em porta do quarto batendo e um discurso de como ele não podia ficar junto com ela em uma loja de sapatos por quarenta minutos se ela mantinha-se fiel por noventa minutos toda quarta-feira à noite assistindo a vinte e dois homens correndo atrás de um objeto redondo. Sem argumentos riscou a opção de sua agenda.
 - Amor, olha esse!
- Bonito, porque não compra esse?
- É que preciso de um sapato alto, e esse é baixo. Mas é tão bonito.
- É tem que escolher um deles – falou isso como que alguém que olha para o céu azul e diz que tem que chover. Certamente que a esposa quereria levar os dois.
          A mulher viu que a árvore era bonita e que suas frutas eram boas de se comer. E ela pensou como seria bom ter entendimento. Aí apanhou uma fruta e comeu.
     A esposa sorridente veio ter com o marido explicando e justificando a necessidade de ter os dois pares de sapatos. O marido irredutível disse que não. Foi como uma bofetada na cara da mulher. Agora sim ela iria arrumar emprego, o filho que fosse para a creche. Depender de marido jamais. O homem remoia por dentro, estava comprando um sapato, porque todo essa revolta. Passou seu cartão como sempre fizera e se dirigiram ambos para o carro. Ela emburrada com uma sacola de compras, ele emburrado com a chave do carro e uma dor na ponta do calcanhar que o irritava muito, e pelo andar da carruagem não ganharia massagem ao final do dia.
           Entraram no carro e não trocaram uma só palavra. Dirigia o carro como se esse lhe fosse inimigo, raios de carro automático, não podia nem ao menos judiar do cambio de marchas. Avistou um objeto se movendo na rua, era uma cobra, não, era a serpente, a culpada de tudo. Não reduziu, concentrou todas as suas energias naquele ato. A humanidade parou por um segundo esperando o desfecho. Não errou, passou certeiro por cima da cabeça da serpente. Vingou anos e anos de sofrimento. Horas e horas de lojas entupidas de atendentes e sapatos. A serpente não teve tempo de saber o que lhe acertou, morreu instantaneamente. Freou bruscamente o carro, a esposa se assustou. Desceu do carro e foi até o local onde estava o corpo esmagado da serpente. Queria mostrar seu rosto, para que soubesse quem havia lhe tirado a vida, que pensasse duas vezes em oferecer um fruto que fosse proibido a uma mulher. Estava agora de alma lavada, voltou para dentro do carro, olhou para esposa assustada e disse:
- Semana que vem comprou um muito mais bonito para você! Você vai ver – encostou de leve a mão nas coxas da mulher, ela deixou, um sorriso escapou, pequeno, mas tão anunciador como um raio de sol após uma tempestade anuncia um lindo dia. Ligou o seu carro e agradeceu por não ter uma embreagem para pisar, pois a dor no calcanhar se acentuará.
              Agora o homem se tornou como um de nós, por isso Deus expulsou o homem do jardim do Éden e fez com que ele sofresse na terra da qual havia sido formado.

Jeferson Luis de Carvalho

Meu amigo (des)conhecido


Meu amigo (des)conhecido

Era no ano de 2058 o mundo havia mudado. As pessoas não conversavam mais e sequer liam livros, porque eram proibidos, quer dizer, conversar até podiam, contudo livros em forma física nem pensar. Resumos e E-books tomaram conta do planeta terra. Mas faltava alguma coisa para aquela menina chamada Sofia.
Sofia era uma menina que tinha em torno de 12 anos e impressionava-se com as histórias contadas pelo seu pai. O pai tinha 46 e vivera em uma época totalmente diferente. Mas como nostalgia guardava alguns utensílios em uma caixa branca que ficava no porão.
Muitas vezes a menina perguntava:
- Pai eu posso abrir e olhar o que tem aquela caixa?
A resposta era sempre a mesma:
- Pode filha, mas provavelmente não encontrará nada semelhante com o que se tem hoje, porem mesmo na escuridão do porão uma certeza eu tenho, você encontrará a luz.
Mas como toda criança e suas curiosidades Sofia não se conteve. Um dia pela tarde cansada de ler somente os resumos que agora era o que se tinha, e podia ler, resolveu buscar na caixa um livro, esse objeto que seu pai tanto falava e canonizava.
O primeiro sentimento foi um frio na barriga. E se esse tal livro fosse bravo ou mordesse, ou sei lá, falasse coisas que ela não gostaria de ouvir. Porque em uma das conversas que escutara atrás da porta ouviu seu pai falando a um amigo que o verdadeiro livro era sabedor de tudo. Que encontrávamos em um livro conhecimento infindável.
O primeiro passo foi tenso, mas a vontade de olhar, tocar, conhecer esse objeto era muito, mas muito maior. Ao abrir a caixa deu uma gargalhada daquelas do fundo da alma, verdadeiras. Não tinha nada de mais, somente uma espécie de folhas envoltas por uma capa consistente, dura.
Pegou o na mão tirou o pó e ali estava o título, Fahrenheit 451, romance datado de 1953 que seu pai guardava como um verdadeiro tesouro. Ao abri-lo muitas letras juntas formando frases e o mais incrível de tudo não era touch screen. Encantada começou a ler a primeira página, o resumo como estava acostumada, entretanto nesse formato era uma frase mais incrível que a outra. O romance contava uma história longínqua em que os bombeiros ao invés de protegerem as casas do fogo queimavam livros. Impressionada, Sofia escuta uma voz. Assustada pergunta:
- Quem é?
Claro que era uma pergunta retórica, pois não queria respostas, porem o inevitável acontece. O livro ganha voz:
- Sou eu Ray Bradbury.
A menina tremula de medo pergunta:
- Quem?
- Eu Ray Bradbury o autor do livro que segura.
 - Você fala?
- Falar não, dou voz ao livro e ele faz muito mais que isso. Ensina, faz as pessoas chorarem, alegrar-se e possui muito conhecimento.
- Conte-me mais, por favor.
Claro. Eu escrevi esse livro no século passado, todavia usei apenas verossimilhança para mostrar, na verdade como as pessoas ficam alienadas sem livros.
- O que é verossimilhança e alienado? Pergunta Sofia.
- Não acredito. Com toda essa tecnologia ainda não sabe o que é verossimilhança e alienado. Bem, verossimilhança, posso dizer de uma maneira simples que é a proximidade com a realidade e alienado é estar sem estar, não saber, deixar-se levar.
- Ah tá.
Como dizia nunca pensei que essa era chegasse literalmente.
- O que é literalmente?
- Literalmente é concreto, real. Por favor, não pergunte mais, senão pararemos muitas vezes. Pela lógica entenderá. Como dizia, na minha história as pessoas não podiam ler porque era proibido e os bombeiros cassavam as pessoas e queimavam seus livros. Mas as pessoas que tinham sede de conhecimento me decoravam e fugiam criando cidades inteiras de pessoas livros.
- Como assim?
Sim, pessoas que eram reconhecidas por nomes de livros, pois haviam decorado determinada obra e recitavam para os demais cidadãos para que nunca se perdesse.
- Sério? Não acredito?
- Olha, não quero acabar a nossa conversa, mas não está na hora de carregar sua bateria?
- Não, eu não tenho bateria. Duro o tempo todo, uma vida toda.
- Que legal! Tá, mas como faço para passar para o próximo link?
- Não eu não tenho links tenho apenas essas folhas que você vê e para continuar basta molhar o dedo na língua, folhear e pronto, continuaremos.
- Ah tá. Vou continuar minha leitura. Posso fazer outra pergunta?
- Pode.
- Mas como é que você dura tanto tempo? Porque escreveu esse livro no século passado, se fosse como os livros em E-books que temos hoje que todos chamam de obra de arte não duraria um ano.
- Uma coisa posso dizer com segurança Sofia. Esses que são chamados de arte e não duram um ano, não são arte. Não passam, na verdade, de um amontoado de palavras que não inquieta, não deixa dúvidas e, por isso não são duradouros. Isso posso lhe provar com diversos exemplos que se encontrares outros admiradores como teu pai veras irmãos meus, inclusive muitos mais velhos. Agora eu posso te fazer uma pergunta?
- Porque vocês não criam cidades como a criada em minha história?
- A senhor Ray, não seriam possíveis, logo as autoridades ficariam sabendo, meus colegas também e eu além de ser presa me tornaria piada na escola. Porque a vontade deles, das autoridades, e que fiquemos assim, como o senhor disse antes, aquela palavra; alienados. 
- Mas como assim? Vocês não leem na escola?
- Não, quer dizer, até lemos, porem somente resumos, temos muitas coisas para olhar e escutar e não temos mais paciência. E para que ler um montão de horas se em poucos minutos conseguimos saber o que vocês querem dizer nos resumos.
- Aí é que está o problema. O verdadeiro livro, arte na sua essência não nos dá respostas. Ele nos deixa com vontade de querer mais como te disse antes.
- Como sem respostas? Sem respostas não tem graça.
- Tente que você vai ver a magia que é Sofia.
- Acho que está na hora de eu sair aqui do porão. Como faço para saber onde parei de ler você, tenho que copiar, colar, fazer download ou colocar em meus favoritos?
- Não, basta pegar uma folha estreita que está no fundo da caixa.
- Como se chama essa folha?
- Marca páginas. E amanhã você volta?
- Com certeza. Até amanhã
- Foi um prazer Sofia, estarei esperando você.
A menina hipnotizada sobe para sala onde está seu pai sentado, olhando para um quadro, pensando alto, como que se conversasse sozinho. A filha eufórica o indaga.
- Pai, pai, eu fui lá embaixo na sua caixa peguei um livro e ele falou comigo. Que impressionante pai os livros falam o senhor tinha razão, os livros são incríveis.
- Sim, acredito, pois tem toda a razão. Eu tinha absoluta certeza de que um dia encontraria a porta de saída de sua caverna e libertar-se-ia da condição de escuridão de seu conhecimento. Agora já sabe filha o porão estará sempre aberto, volte quando quiser.

Rodrigo Bartz

ENCURRALADO


ENCURRALADO
Mesmo depois de cinco anos muitas dúvidas ainda pairavam sobre minha cabeça. Estava ali, defunto, sentado naquele sofá duro, mas o único lugar meu que fazia, mesmo parcialmente, me sentir em casa. Ela tomava banho e insistentemente cantava alta aquela música irritante, sertanejo universitário, sei lá, era só o que escutava, quer dizer, escutava e cantava tudo que não fazia sentido.  Eu lia Memórias Póstumas de Brás Cubas, era uma sexta, na segunda pela manhã daria uma aula de literatura. Isso já deveria ser sabido, porque passei cinco anos lendo livros, fazendo análise literária, estudando biografias e mesmo assim tinha muitas dúvidas. Um exemplo claro era se algum aluno perguntasse:
- Professor porque no nome tem póstumas?
Não saberia responder. Todavia, o martírio mesmo, era ela. Inconveniente, espaçosa, totalmente sem bom senso e muito acima do peso, alias eu era o único magro. Odiava tanto ela depois desses anos que tudo fazia mal, dava náuseas. Sempre quando estava lendo ela achava algum assunto, como sobre sua academia, os lucros, os imóveis que seu pai havia comprado, tudo isso me deixava pra baixo e voltava a perceber o pouco espaço que resumiam-me.
- “Não tenho nada, se não fosse ela não teria nem onde morar”.
Fazia-me de legado balançando a cabeça que sim com um sorriso amarelo no rosto. Ludibriado na leitura, minha cabeça, na verdade, pensava como a cabeça de Brás. Essa sim era tudo de ruim não apenas coxa. Tomava banho, sentava no sofá, não perdia a novela por nada nesse mundo e tinha uma mania que irritava muito. Olhava às vezes e de repente perguntava:
- O que foi?
Levantando a cabeça pra cima.
Simplesmente horrível.
No outro dia tínhamos uma festa. Era de um dos amigos do pai dela, sei lá, acho que era deputado.
Seus pais me odiavam. Uma por ser um pobretão sem pai nem mãe e sem êra nem bêra e outra por ser professor. Sentada com um iogurte na mão e com a boca toda lambuzada disse:
- Olha só! Amanhã sabes que temos um jantar com um dos amigos do papai né?
- Toda vez que alguém importante vir cumprimentar vou apertar teu braço. Tá bom?
Como se eu não tivesse educação. Poxa vida, sou um professor, sujeito que deveria ser mais respeitado que o presidente e meu braço que sofrerá cutucões quando alguém “importante” vier me cumprimentar.  
Foram as últimas palavras dirigidas a mim naquela noite. E eu ali sentado, lendo meu livro. Depois da novela foi dormir. Conseguia escutar o ronco da sala. Mais ou menos a uma da manhã eu fui e só pensava como seria minha vida se estivesse solteiro. Tenho um amigo o Dionísio. Amigo de infância se formou em engenharia civil. Hoje trabalha para uma empresa que já lhe deu promoções esse ano. Passou de estagiário para engenheiro e de engenheiro para chefe de departamento. Fazia festa todo dia, mulheres, bebidas, farra, um paraíso na verdade. Isso era o que mais me incomodava. Professor ganha pouco e não tem nenhuma perspectiva de crescimento. Comecei assim e morrerei ganhando essa mesma miséria e tendo esse mesmo descrédito por parte da sociedade.
 Dormi mal como sempre pelo ronco e pelo pouco espaço na cama. O outro dia passei todo preparando minhas aulas e ela na academia. Lia Dom Casmurro. Outro enigma. E se um aluno perguntasse:
- Professor a Capitu traiu ou não traiu?
Outra pergunta sem resposta. E isso me deixava triste e profundamente vulnerável. Para que serviram tantas leituras de Badler, Goethe, Balzac, Dostoievski se muitas perguntas não tinham resposta. Sentia-me como Naziazeno de Os ratos, só que com uma diferença ao invés de os ratos comerem o dinheiro sentia como se comessem meu cérebro e quanto mais lia com menos informação ficava. As horas se passaram e escutei a escada. Merda! Vem ela. Entrou em casa da mesma forma de todos os dias. Tirou os tênis na porta e assim foi fazendo seu rastro de roupa. E antes de chegar ao banheiro já estava nua. E deixava a mostra aquele corpo “exuberante”. Com uma bunda que mais parecia uma peneira de tanta celulite. Gritou da porta do banheiro:
- Arrume-se já são cinco horas da tarde as seis temos o jantar.
Preparei minha roupa, uma qualquer, porque não fazia questão de ir naquela porcaria de jantar. Depois do banho estava me vestindo. Ela também. Olhou e proferiu aquilo que me irritava muito:
- O que foi?
Levantando a cabeça pra cima
A vontade que eu tinha era de responder, eu te odeio sua gorda burra, insolente, desgraçada, mas... nem respondia mais. Mesmo me irritando já estava acostumado.
No caminho não trocamos uma palavra. Apenas olhava a paisagem. Chegando ao tal jantar a primeira coisa que ela me falou foi:
- Te disse para vir de terno.
Eu não dei a menor importância, não escutava direito mais se falava ou não. Sentamos com meu sogro e sogra em uma mesa bem no centro do salão de festas. Ocuparam quase toda mesa, eu fiquei espremido no cantinho deixado, como acontecia em todos os lugares. Quando o primeiro se aproximou recebi um cutucão no braço:
- Esse é o desembargador.  Me disse baixinho.
Levantei cumprimentei sentei-me novamente. E mesmo na insignificância das palavras aquilo me inquietou e comecei a olhar para os lados. E quando me apresentavam para alguém ninguém era cutucado. Não sei, na verdade, se era maluquice ou se tinha algum fundamento, porém a minha importância naquela festa analisando pelos cutucões, era nenhuma. Sinceramente não sei o porquê me incomodei, isso já era normal. Era rejeitado e humilhado pela sociedade, pela família dela, pelos pais dos alunos, por todos.
Voltamos pra casa, dormimos e naquela noite foi a primeira vez que pensei nisso. Pensei ter ficado inato ao sexo, porque há um ano não sentia nada nem um tipo de tesão. E isso que a última vez tomei umas doze cervejas para transar, mas enfim...
No domingo almoçamos e após ela sentou no sofá. Fiquei ali olhando alguns manuais didáticos. Como sempre entrincheirado no pouco espaço que era meu. Dormimos sem sequer trocarmos um: “boa noite!”.
Na segunda acordamos e fui trabalhar. No ônibus lotado fiquei quieto olhando pela janela. Na noite passada foi o “ápice”. Alem de roncar a noite toda e ocupar oitenta por cento da cama tivemos uma briga. Jogou-me na cara o que eu já sabia e todos sabiam, mas nunca havia escutado.
- Você não tem nada seu professorzinho de merda miserável. Se não morasse comigo, moraria em uma pensão ou embaixo da ponte!
Juro, nunca senti tanta raiva. Pensei em fazer como o jovem Werther e me matar, mas werther se matou por amor e eu tirar minha vida por ela; jamais. Pensei em matá-la, mas como...
Depois de quase uma hora entrincheirado no pouco espaço no banco do ônibus, cheguei à escola. Tudo normal. Gritos, correrias, enfim o cotidiano normal. Na sala dos professores pairava o mesmo clima tenso, desagradável e desmotivador o que me piorava cada minuto mais. Trabalhar em escola pública exige muito do professor para com os alunos, porém o pior mesmo é a sala dos professores. Não param um minuto de falar nos alunos, nos baixos salários e tudo negro que existe na vida escolar, parece quando se está na frente do I.M.L esperando para saber se é seu filho o defunto. Tu não sabes se diz um bom dia, ou meus pêsames.
Entrei na sala e quando comecei a me preparar para iniciar a aula ouvi um cochicho. Pedi silêncio, mas eles não paravam então perguntei o que havia acontecido. Um dos meninos me disse:
- Professor o Dilson está com uma arma!
Caminhei até a classe dele e reconheci era uma arma calibre trinta e oito. Com cano enferrujado, mas uma arma potente que podia matar. Estava ali a minha chance. Fiquei uns trinta segundos sem dizer nada. Imaginava o que teria feito Bento Santiago com Capitu se tivesse uma arma em suas mãos. Pensei no tiro entrando na cabeça e acabando com os problemas de Bentinho e os meus. Voltei ao mundo real. Um barulho ensurdecedor dos meus alunos gritando porque havia Jeferson pego a arma. Imediatamente chamei a diretora e relatei o fato. Ela ligou para polícia. No turbilhão dos acontecimentos acabaram esquecendo a arma que por coincidência, ou não, não sei, veio parar em minhas mãos. O correto seria devolver, mas aqueles pensamentos de me livrar e a raiva não me deixavam outra alternativa, fiquei com a arma. Voltei o caminho todo normalmente, calado apenas olhando para o nada. A diferença era que o pensamento estava em enfiar uma bala bem na cabeça dela.
Cheguei ao prédio às 12h30min como os outros dias para almoçar, subi as escadas lentamente e parei a porta. Pensei em tudo na minha vida, a infância difícil, a profissão medíocre e o casamento ou “junção” com aquele demônio o pouco espaço na sociedade. Tentei olhar pelo olho mágico. Não vi nada. Toquei a companhia, estava totalmente fora de mim. Que burrice mesmo com a chave toquei a maldita companhia. Pensei, ela abre a porta e eu atiro sem pensar e acabo com tudo. Ela veio olhou e abriu:
- Ah é você. Pensei que tivesse chave. Não esquece a cabeça porque tá grudada.
Sentei no sofá abri a mochila e peguei a arma. Apavorada com olhos esbugalhados olhando pra mim disse:
- O que quer com essa arma?
Falei:
- Nada! Não se preocupe não vou te fazer mal.
Olhando incessantemente para aquela arma engatilhei-a. E mais uma vez olhou-me e disse:
- Largue essa arma e fale alguma coisa homem.
Lentamente no meu espacinho, olhei me Levantando do sofá:
- Calma. Tivemos um ponto positivo no nosso relacionamento.
Ela perguntou-me.
- Qual? O que você está falando?
- “Não tivemos filho, não transmitimos a nenhuma criatura o legado de nossa miséria”.
        RODRIGO BARTZ                                  

Whisky


Whisky


- Mais uma dose.
      O garçom com cara de reprovação se dirige a prateleira as suas costas para pegar a garrafa de whisky. Eram duas da manhã e aquela era a quinta dose que ela pedia.
- Sabia que na Rússia não se bebe whisky com gelo? Sim, whisky de verdade se bebe sem gelo, essa história de gelo é invenção brasileira, assim como misturar água de coco e whisky na mesma música. Um ultraje.
- Realmente - concordou, o garçom, em tom displicente, enquanto lhe entreva o copo.
- Na verdade no Brasil tudo se inventa. Não reciclamos nem perto de um terço do nosso lixo doméstico, mas reciclamos e reaproveitamos todo e qualquer lixo que nos jogam de fora. Do country americano fizemos o sertanejo, inclusive, existem cidades que já comemoram o halloween... veja só o halloween? No mínimo nem ao menos sabem o que essa festa significa. Até nosso samba vem dos batuques tradicionais da África. Quando ouvimos Martinho na verdade...
- Desculpe, posso sentar?
- Como? Não escutei.
- Posso sentar ou está ocupado?
- Ah... pode sim, fique à vontade.
- Não pude deixar de escutar que falava de Martinho. Adoro Martinho. Músicas belíssimas.
- Hum, que bom pra você!
- Como assim bom para mim?
- Sei lá!
- Sei lá, não acredito que essa seja uma resposta.
- Não? E o que você considera uma resposta?
- Ué, um comentário, uma crítica, enfim, algo que possa evoluir para uma conversa.
- Por que necessitaria evoluir uma conversa com você?
- Olha, são duas e meia da manhã – o garçom olhou para o relógio, na verdade eram duas e quinze da manhã, mas como o bar já estava quase vazio e amanhã teria que acordar cedo para buscar o filho na casa de sua ex-mulher, resolveu omitir a informação para não promover oportunidade de criar-se um novo tópico discursivo. Limitou-se a secar pela enésima vez o mesmo copo. - você está sentada em um bar praticamente vazio, bebendo um copo de whiskey...
- Desculpa, mas é whisky, com som de i no final.
- O que?
- É whisky, você falou whiskey. É som de i no final, sem o e.
- Não, é whiskey. Whisky apenas o que vem da Escócia. Garçom, por favor, pode alcançar a garrafa?
- Com certeza, senhor – certeza mesmo, pensou, é que após a uma e meia da manhã o que resta no bar são aqueles que mais trabalho exigem. Seja por infelicidade da vida, ou fuga da solidão eles ficam lá, como cigarras estáticas em troncos de árvores esperando a morte chegar aos gritos. Entretanto, ao invés de gritos, temos bebidas, cigarros e falsas risadas. Alcançou a garrafa.
- Veja! Produzido nos Estados Unidos...
- Da onde você tirou isso?
- National Geography.
- Hum, interessante!
- Sabe, a maioria das pessoas não fazem ideia do que se pode conhecer assistindo a esses programas.
     Um sorriso de canto da boca escapou do rosto já cansado do garçom. Lembrou-se de uma das inúmeras tardes em que não havia muito que fazer e se viu assistindo ao documentário da vida animal. Olhou para os dois em sua frente e lembrou o dia em que assistiu sobre o acasalamento dos leões. Como era mais simples o acasalamento no mundo animal. Escolhe-se a fêmea, sem joguinhos, sem rodeios, sem empecilhos sociais, puro instinto. Imaginou o leão sentado ao lado da leoa. Ele já estaria em casa à uma hora dessas, pois o leão levaria dois minutos para saber se levaria a leoa para casa ou abandonaria a empreitada.
- Garçom!Garçom!
- Pois não – acordou de supetão de seu Safári na África.
- Você sabia?
- Perdão senhor, sabia sobre?
- O whiskey.
- Ah, sim, sim, naturalmente – não podia “baixar a guarda”, não ali, era seu domínio. Como é mesmo? Whsky com i é americano ou é o escocês. Não conseguia lembrar. Como se alguém que está na quinta dose daria importância para isso.
- Então, são quinze para as três, você não quer uma carona para casa?
- Olha, desculpa, mas hoje não sou uma boa companhia.
- Mas...
- Vou ser bem sincera, não há argumento no mundo que me faça levantar dessa cadeira e entrar em um carro com você. Pelo menos não essa noite.
        Não pronunciou nenhuma palavra, levantou da cadeira, pagou sua bebida, e como se estivesse em uma procissão seguiu lentamente até a porta do bar.
- Acredita?
- Pois não?
-Sentou aqui, veio me ensinar como chamo a bebida que estou bebendo há mais de duas horas – eram três horas, pensou o garçom, mas preferiu não interromper- e nem ao menos perguntou meu nome? Aguento a realidade de hoje, homens inseguros e com medo de mulheres maduras e independentes, portas de carro que não abrem mais, flores que não chegam, mas falta de educação tem limite. Conversar com uma pessoa sem ao menos lhe perguntar o nome? Em uma fila de banco ou espera de dentista até vai, mas justamente com quem você espera algo mais? Francamente. Na verdade, acho que se falarmos mais de uma hora com uma pessoa o mínimo que deve ser feito é perguntar o seu nome. Educação vem de casa, coisa de família, sabe?
- Verdade. – o cansaço começava a derrubá-lo. E o copo já estava mais do que limpo, na verdade o bar estava impecável, só faltava aquela única cliente. Então decidiu guardar uns baldes de gelo que estavam sobressalentes.
- Ei! Moço! Rapaz! Garçom!
- Sim?
- Coloca duas pedrinhas de gelo que beber isso daqui sem gelo é de matar.

Jeferson Luis de Carvalho