terça-feira, 31 de dezembro de 2013

QUE VENHA 2014

QUE VENHA 2014

Complicado essa coisa de ano novo. A Igreja estabeleceu a data há aproximadamente 500 anos. Chineses, islâmicos, entre outros povos comemoram o ano novo em outra data. Portanto, o valor factual da data é questionável, mas como em tantas outras datas do nosso calendário comercial o que conta aqui é o rito e o significado. Mas o que esperar para 2014?
Bem, mais uma vez eu tenho que fazer as compras do final de ano. Após alguns anos, convenci-me finalmente que as passagens de ano em que eu entrava com a alegria e meus pais com o financeiro passaram. Alguns anos que eu entro com a alegria e o dinheiro. A TV irá mostrar a festa nas praias, mostrará as festas ao redor do mundo. Verei novamente a Times Square iluminada em Nova York, pela TV é claro. Olhar no relógio ou no celular é cansativo, a televisão fará a contagem regressiva. Não usei anáforas para repetir TV, pois ela também estará muito presente em 2014. Espero que isso não ofusque meus pensamentos e desvirtue meu olhar. 
Vou trabalhar. Possivelmente vou trabalhar muito, pois optei lá atrás por ser mais do que a vida pretendia para mim. Essa escolha cobra seus tributos constantemente, eles são duros, mas cabe somente a uma pessoa suportá-los, eu. Que não lamente tanto em 2014, melhor, que eu tente não lamentar tanto. Aceitar o fardo é um exercício tão pesado quanto carregá-lo. Sem deslumbramentos. Pois com certeza, verei alguém com um emprego melhor, uma casa melhor, um carro melhor, um trabalho não tão cansativo, mas que eu não fique cego  para quem tem um emprego pior, uma casa menor, um trabalho mais cansativo. Sei que isso é complicadíssimo, então que consiga o mais próximo possível do objetivo.
Não terei tempo em 2014. Hoje as pessoas não possuem tempo. Talvez nunca o possuímos. Somos devorados impiedosamente por ele. Contudo, que o pouco que eu tenha, possa aproveitar e viver com toda intensidade e valorizando aqueles que esperaram para passá-lo comigo. Ler. Preciso de tempo para ler. Pois viajar é preciso, mas nem sempre possível fisicamente. Desejo viagens entremeadas nas letras impressas de um bom livro.
Por fim, que no meio dos fogos de artifício, da mesa farta, das bebidas, dos excessos, das simpatias, dos pulos das ondas, no abraço fraterno, no abraço amoroso, que tenha tempo para abraçar a mim mesmo e renovar minhas forças e acreditar, como disse Drummond, no milagre da renovação.


FELIZ ANO NOVO A TODOS!!

                                                                                                             Jeferson Luis de Carvalho

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

As pernas quebradas

As pernas quebradas

Lamentável o que ocorreu com Anderson Silva na madrugada do último domingo. Para qualquer atleta o momento de uma lesão é traumático e difícil, mais ainda quando ocorre da maneira que ocorreu com o brasileiro. A cena da lesão é chocante e até mesmo comovente. Não existe quem olha a cena e não vira a cara como se estivesse quebrando a perna junto com o atleta. A repercussão é proporcional a importância do atleta e no meu ponto de vista justificada, mas esse fato lembrou-me outras pernas quebradas por aí.
Brasileiro dá canelada todos os dias em joelhos desavisados. Quebramos a tíbia e a fíbula nas segundas, terças, quartas, sem público, mídia ou repercussão. Professores vivem dando caneladas no insistente joelho do governo. Sofrem fraturas expostas horrendas que não são curadas. E logo depois, lá estão eles novamente. Chutando, chutando e chutando.
Trabalhadores saem de casa para receberem um salário mínimo, pagam impostos sobre esse, não ganham benefícios e nunca faltam ou deixam de trabalhar. Desferem seus chutes por aí, sabendo que do outro lado vão apenas encontrar uma perna bem preparada e pronta para quebrar sua perna boa. Mas mesmo assim continuam.
Quebramos nossas pernas a cada dois anos fruto de nossa própria displicência. E essas fraturas recebem os holofotes da mídia, geram os comentários, as séries de televisão, enfim, viram notícia. Dessa lesão infeccionada surgiram nomes como PC Faria, Collor, Maluf, Calheiros entre outros.
Desejo a melhor recuperação do mundo para o Anderson Silva e que ele possa voltar bem ou talvez encerrar a carreira com tranquilidade. Porém desejo recuperação para nós, que as caneladas que distribuímos por aí virem exceções e não regras, que saibamos curar as feridas abertas existentes por aí.


Jeferfson Luis de Carvalho

Somente professores!

Somente professores!

Professor não é como a grande maioria das profissões. Isso é um fato, e dele não se pode fugir. Ele é eterno. É quase uma instituição à parte no mundo. Não existe ex-professor. Professor é para sempre. Você conclui a graduação, faz uma pós-graduação, um doutorado, um pós-doutorado e quando encontra a sua professora da 6° série, da mesma área que a sua, você olha para ela e com tom de respeito saúda: olá professora!
A recompensa de um professor por vezes parece pequena. Mas apenas quem está em sala de aula sabe o que é um sorriso e um olhar brilhando diante de uma nova informação. Professor é um transformador, ninguém é o mesmo após passar por um professor. Essa transformação não tem idade, preferência por gênero, por cor. O docente é um caso perdido de amor platônico. Amor pelos alunos, amor não correspondido, amor bandido. O aluno que não presta a mínima atenção, e quando um dia resolve prestá-la é como um belíssimo dia de sol. Esse mesmo aluno tira o sono do professor, não por seu distanciamento e despreocupação com as aulas, e sim pelo sentimento de impotência do educador em ver seu aluno se perder. Professor trabalha por amor sim, amor não passível de transmissão em palavras. Amor que vira ódio, para vir mais forte mais adiante.
Um vendedor, quando encontrar seu cliente anos depois não será chamado de vendedor. Um professor em 90% dos casos será tratado com o seu cargo antecedendo seu nome por toda a vida. Estar à frente de uma sala de aula é uma mágica em ação. Mágica sem segredo, sem truque. É uma sensação fenomenal. Dar aula é doar uma centelha de sua vida. É saber que por um centésimo de segundo que seja um pedação de sua vida entrou na vida de outra pessoa. Não há preço para isso.
Demorei em experimentar essa sensação, relutei, tentei fugir, mas me rendi. E agora reluto a escapar. Lembro com carinho de todos os envolvidos ...e meu Deus, como lembro. Deve ter algo inerente a biologia de um professor, que transforma qualquer sujeito que entrar em sala de aula em um ser dotado de memória suprema para guardar nomes e rostos de alunos. Guardo por todos um imenso carinho, as turmas do Jovem Aprendiz (alguns já iniciando os primeiros passos para serem futuros professores), o inesquecível colégio Luiz Dourado - um dia eu volto – onde aprendi muito. Aprendi com pessoas maravilhosas. Alunos fantásticos. Naturalmente, lembro do pessoal do Dom Alberto. Galera especial da oitava. Povo show do primeiro, segundo e terceiro ano. Obrigado pelas manhãs divertidas! Ao técnico em enfermagem, agradeço por tornarem minhas noites divertidas demais. Por fim, um grande abraço aos meus professores, atuais e anteriores. Pela paciência e dedicação “em tentar” tornar esse eterno aluno em um razoável professor!
Esse último parágrafo resume um pouco o que sinto como professor. Um parágrafo, um texto, é muito pouco para transmitir tudo que está envolvido nesse processo. Precisamos de mais valorização? Sim, com certeza. Mas, hoje, nos permitamos comemorar nosso dia em paz. Que não sejamos uma “categoria”, e sim “apenas” professores. Nem que seja apenas por hoje. Parabéns a todos!!!


Jeferson Luis de Carvalho

Como arroios

Como arroios

Ao longo da vida perdemos inúmeras coisas. Perdemos amigos, contato com parentes, guarda-chuvas, ônibus, horário do serviço, a aula, fumantes perdem isqueiros, nossos pais, enfim, a perda faz parte de nossas vidas. Cada pessoa sabe a perda que mais lhe marca, dói, machuca. Particularmente, para mim uma das perdas mais marcantes é o olhar virgem, despido, recém-descoberto da infância. O tempo é impiedoso e machuca os passageiros de suas corredeiras. E inevitavelmente os muda.
Otto Lara Rezende já falou sobre a mágica que é ver as coisas como se fosse a primeira vez. Mas não apenas isso, fala como deixamos esse olhar desbravador no passado para utilizarmos um olhar cirúrgico e automático. Passamos a olhar o mundo com uma visão viciada, cansada das imagens do mundo.
O mundo na infância é mágico, novo, vibrante. Na verdade, são nossos olhares que eram especiais. Olhávamos o mundo como desbravadores, aventureiros em um mundo estranho e aberto. Podíamos ser tudo o que desejávamos, a trajetória era longa, e teríamos tempo de correr atrás dos sonhos. Mas a trajetória encurta, o tempo acelera, e inúmeros objetivos acabam negligenciados.
É aí que o mundo fica menos colorido. O pai deixa de ser herói para ser um homem de carne e osso. O bombeiro não é imortal, pelo contrário, é mortal, ganha pouco, faz greve em busca de melhores condições para trabalhar. O professor não sabe todas as coisas. A chuva não é a lágrima de Deus. Invariavelmente não nos tornamos aquilo que idealizávamos.
“Que pena me dão os arroios, os inocentes arroios...” diz Mário Quintana comparando arroios a crianças e rios a adultos. É da saudade que vivemos ao lembrar o mundo como era antes de o conhecermos. A vida, antes uma porta com um sem número de possibilidades, estreita a olhos vistos. E quando menos notamos, o que mais queremos é sermos “arroios” novamente. Cansados de sermos rios.


Jeferson Luis de Carvalho

Onde está o Natal?

Onde está o Natal?

Minha lembrança mais antiga do Natal é uma tarde do dia 24. Aquela expectativas mágica, aquela angústia pela chegada dos presentes. Fui para o banho, o tempo estava chuvoso, saio do banho e vejo um vestígio de pegadas em direção à sala. Eram claras evidências de coturnos, desses utilizados pelo exército, desses utilizados pelo bom velhinho. Era a prova. Quem iria discutir comigo? O Papai Noel era real. Corri para a sala, olhei no pinheiro - de plástico, pequenino, simples – uma embalagem. Retangular. Uma caixa. Sim, naquela época havia três tipos de presentes: o quadrado, que era o melhor, certeza de ser um brinquedo (depois mais tarde descobri que poderia existir roupas em caixas, maldita invenção); o incógnito, da mais variada forma, poderia ser brinquedo, bola, roupa, material escolar, entre outros; o flexível, invariavelmente roupas.
Pois bem, encontrei aquela caixa, abri com tanta calma que do papel de presente pouco era reconhecido após. Um Forte Apache! Se você não sabe o que é procure no Google. Eu queria um Forte Apache! Minha mãe aproximou-se e comentou o quanto Papai Noel era esperto e conhecedor dos segredos íntimos, descobriu o que eu realmente queria. Na verdade, poderia ser o Coelhinho da Páscoa, Batman, o meu cachorro, eu havia ganhado um Forte Apache. À noite teríamos a ceia, mas até lá, era curtir cada momento, tirar sarro da irmã, convencer o pai a brincar junto, brincar até tarde no pátio (que era enorme) e tentar dormir quando era a hora – essa estipulada pelo pai sem total participação do filho.
O Natal já não é o mesmo, a cidade não é mais a mesma, o clima já não é o mesmo, eu não sou o mesmo. Parece que os objetos mudam de tamanho e valor, quando na verdade quem muda somos nós. Se pudesse voltar no tempo, naquela chuvosa véspera de Natal, diria para o rapaz brincando no chão da área: olá, empresta seus olhos mais uma vez?


Jeferson Luis de Carvalho

Carta para o bom velhinho

Carta para o bom velhinho

Querido Papai Noel – espero que seja querido, mas se não o for, encare o elogio como uma abertura de negociações amigável -, estou escrevendo tardiamente minha carta de fim de ano, mas como dizem por aí, antes tarde do que nunca. A propósito, nunca entendi bem essa coisa mística com a virada de ano, onde ficam os outros 365 dias do ano? Se não mudar no início só muda no ano que vem? Sei lá, vai entender. Enfim, tenho alguns pedidos e espero que possa ser atendido.

Antes, se me permite, gostaria de saber: como o senhor organiza a sua logística? Porque entregar presentes para o mundo inteiro deve dar trabalho. Nós temos aqui no Brasil os Correios, o senhor não deve conhecer porque se não usaria, e eles cobram quase R$ 40,00 para que algo chegue em 24 horas no destino. Falando em procedimentos, sei que existem inúmeros lugares na Terra inexplorados, mas não consigo crer que há algum ponto no pólo norte que abrigue um campo industrial suficiente para produzir todos os pedidos. Digo isso porque sei de pessoas que ganham carros de presente, pode isso? Já que estamos entendidos – desculpe Papai Noel, não consigo ser objetivo -, diga-me: como funciona sua relação comercial com os grandes fabricantes? Eles repassam apenas os custos operacionais do produto ou toda a carga de impostos também? Por falar em impostos, o senhor paga impostos para entrar com mercadorias dentro do país? Se a resposta for negativa, tenho que ser honesto e evidenciar minha extrema reprovação, pois tive um desconto exorbitante em meu último imposto de renda e mesmo assim sou obrigado a pagar essas taxas. Espero que essa minha última observação não abale nosso relacionamento. Por fim, como operam essas renas? Possuem algum tipo de alimentação específica ou algo do tipo? Dentro das possibilidades, adoraria receber um exemplar desses belíssimos e particulares animais, pois estou um tanto decepcionado com meu meio de locomoção movido a combustível fóssil. Pode parecer engraçado bom velhinho, mas o combustível é obtido em território nacional, não é terreno de ninguém, mas infelizmente eu não sei como pega-lo e nem como transformá-lo em gasolina, por isso pago por ele. O preço é surreal. Se possuir umas quatro renas que não voem mais, mas que possam se locomover com agilidade e velocidade em terra, eu já agradeceria.

Bem, findadas as curiosidades, chega a hora dos pedidos. Estou meio velho para isso e cá entre nós um pouco descrente. Não quero que soe ofensivo, mas tenho quase certeza que não vi vestígios seus nos últimos 28 anos. Se estiver enganado quanto ao fato, desculpe. Para esse ano, gostaria de uma Ferrari, dessas vermelhas, com rodas esportivas, símbolo do cavalinho e tudo mais. Mas descobri que o IPVA de um carro desses é maior que meus vencimentos anuais. Então...fico com o meu. Queria uma casa, dessas com 5 banheiros e 10 quartos. Mas também descobri que o IPTU é proibitivo, então fico com a minha. Uma viagem não seria nada mal. Conhecer culturas, povos diferentes, mas não conheço direito nem meus vizinhos, então eu vou ficar por aqui mesmo. Saúde. Isso eu preciso. Parei de fumar, mas estou tomando água em garrafa e descobri que ela é cheia de sódio, existe algo que não faça mal? Pensando bem, trazer saúde está difícil também.

Ficamos combinados com o seguinte. Traga-me tempo. Esse em excesso e sem restrições. Tempo para ficar com minha família, para passear no parque, para brincar, para mim, para não fazer nada...para viver! E claro, tempo para escrever uma carta. Não traga relógios, esses, a vida me dá aos montes.


Jeferson Luis de Carvalho

No trânsito

No trânsito

É patológico. Talvez uma compensação por não ser mais socialmente correto marcar território como cães. O fato é que todo homem é um guerreiro no trânsito, um super-herói anônimo que não deixa a injustiça e a falta de respeito impunes. Seu repertório de superpoderes inclui uma super buzina, gestos meticulosamente treinados a exaustão simbolizando todo e qualquer gesto obsceno e claro, o imponente aparelho vocálico responsável pela emissão dos maiores pronunciamentos politicamente incorretos do mundo. Diante dele, nunca corte a frente de um veículo, use o pisca, não cometa barbeiragem. Pois esse herói anônimo estará à espreita.

Bibibiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!!
- Barbeirão! Olha por onde anda!!
- Querido, calma, olha o estresse desnecessário.
- Calma nada, você viu o que ele fez?
- Meu bem, isso só faz mal para você.
- Vai fazer mal para esse filho da puta!
- Viu, você nem conhece a mãe da criatura.
- Conheço só de ver o que faz no trânsito...biiiiiiiiiiiii...Seu filho da puta!!!
- Para o carro! Para o carro que vou descer!
- Desce não, agora não dá. Olha ali,acelerando, quer fugir. Esse não perde por esperar, a sinaleira é logo ali na frente.
- Você está louco!
- Louco me deixa isso. Olha, olha, mostrou o dedo para mim. É um rapazito de merda. Tinha que pegar os pais desse energúmeno!
- “E” o quê?
- Energúmeno, pessoa inútil. Abre o vidro, abre o vidro seu filho da puta!
- Pai?
- Marquinhos? Que carro é esse?
- É do Júlio, estava indo buscar seu presente para a festa de hoje à noite. E que carro é esse?
- Nosso carro novo, tirei da concessionária hoje, não me viu lá atrás?
- Não.
- Melhor tomar cuidado em filhão, agora, vai lá buscar o presente do paizão aqui.
- Pode deixar, beijo mãe, beijo pai.
- Não fala nada, não fala nada amor.
- Homens...


Jeferson Luis de Carvalho