terça-feira, 16 de abril de 2013

Whisky


Whisky


- Mais uma dose.
      O garçom com cara de reprovação se dirige a prateleira as suas costas para pegar a garrafa de whisky. Eram duas da manhã e aquela era a quinta dose que ela pedia.
- Sabia que na Rússia não se bebe whisky com gelo? Sim, whisky de verdade se bebe sem gelo, essa história de gelo é invenção brasileira, assim como misturar água de coco e whisky na mesma música. Um ultraje.
- Realmente - concordou, o garçom, em tom displicente, enquanto lhe entreva o copo.
- Na verdade no Brasil tudo se inventa. Não reciclamos nem perto de um terço do nosso lixo doméstico, mas reciclamos e reaproveitamos todo e qualquer lixo que nos jogam de fora. Do country americano fizemos o sertanejo, inclusive, existem cidades que já comemoram o halloween... veja só o halloween? No mínimo nem ao menos sabem o que essa festa significa. Até nosso samba vem dos batuques tradicionais da África. Quando ouvimos Martinho na verdade...
- Desculpe, posso sentar?
- Como? Não escutei.
- Posso sentar ou está ocupado?
- Ah... pode sim, fique à vontade.
- Não pude deixar de escutar que falava de Martinho. Adoro Martinho. Músicas belíssimas.
- Hum, que bom pra você!
- Como assim bom para mim?
- Sei lá!
- Sei lá, não acredito que essa seja uma resposta.
- Não? E o que você considera uma resposta?
- Ué, um comentário, uma crítica, enfim, algo que possa evoluir para uma conversa.
- Por que necessitaria evoluir uma conversa com você?
- Olha, são duas e meia da manhã – o garçom olhou para o relógio, na verdade eram duas e quinze da manhã, mas como o bar já estava quase vazio e amanhã teria que acordar cedo para buscar o filho na casa de sua ex-mulher, resolveu omitir a informação para não promover oportunidade de criar-se um novo tópico discursivo. Limitou-se a secar pela enésima vez o mesmo copo. - você está sentada em um bar praticamente vazio, bebendo um copo de whiskey...
- Desculpa, mas é whisky, com som de i no final.
- O que?
- É whisky, você falou whiskey. É som de i no final, sem o e.
- Não, é whiskey. Whisky apenas o que vem da Escócia. Garçom, por favor, pode alcançar a garrafa?
- Com certeza, senhor – certeza mesmo, pensou, é que após a uma e meia da manhã o que resta no bar são aqueles que mais trabalho exigem. Seja por infelicidade da vida, ou fuga da solidão eles ficam lá, como cigarras estáticas em troncos de árvores esperando a morte chegar aos gritos. Entretanto, ao invés de gritos, temos bebidas, cigarros e falsas risadas. Alcançou a garrafa.
- Veja! Produzido nos Estados Unidos...
- Da onde você tirou isso?
- National Geography.
- Hum, interessante!
- Sabe, a maioria das pessoas não fazem ideia do que se pode conhecer assistindo a esses programas.
     Um sorriso de canto da boca escapou do rosto já cansado do garçom. Lembrou-se de uma das inúmeras tardes em que não havia muito que fazer e se viu assistindo ao documentário da vida animal. Olhou para os dois em sua frente e lembrou o dia em que assistiu sobre o acasalamento dos leões. Como era mais simples o acasalamento no mundo animal. Escolhe-se a fêmea, sem joguinhos, sem rodeios, sem empecilhos sociais, puro instinto. Imaginou o leão sentado ao lado da leoa. Ele já estaria em casa à uma hora dessas, pois o leão levaria dois minutos para saber se levaria a leoa para casa ou abandonaria a empreitada.
- Garçom!Garçom!
- Pois não – acordou de supetão de seu Safári na África.
- Você sabia?
- Perdão senhor, sabia sobre?
- O whiskey.
- Ah, sim, sim, naturalmente – não podia “baixar a guarda”, não ali, era seu domínio. Como é mesmo? Whsky com i é americano ou é o escocês. Não conseguia lembrar. Como se alguém que está na quinta dose daria importância para isso.
- Então, são quinze para as três, você não quer uma carona para casa?
- Olha, desculpa, mas hoje não sou uma boa companhia.
- Mas...
- Vou ser bem sincera, não há argumento no mundo que me faça levantar dessa cadeira e entrar em um carro com você. Pelo menos não essa noite.
        Não pronunciou nenhuma palavra, levantou da cadeira, pagou sua bebida, e como se estivesse em uma procissão seguiu lentamente até a porta do bar.
- Acredita?
- Pois não?
-Sentou aqui, veio me ensinar como chamo a bebida que estou bebendo há mais de duas horas – eram três horas, pensou o garçom, mas preferiu não interromper- e nem ao menos perguntou meu nome? Aguento a realidade de hoje, homens inseguros e com medo de mulheres maduras e independentes, portas de carro que não abrem mais, flores que não chegam, mas falta de educação tem limite. Conversar com uma pessoa sem ao menos lhe perguntar o nome? Em uma fila de banco ou espera de dentista até vai, mas justamente com quem você espera algo mais? Francamente. Na verdade, acho que se falarmos mais de uma hora com uma pessoa o mínimo que deve ser feito é perguntar o seu nome. Educação vem de casa, coisa de família, sabe?
- Verdade. – o cansaço começava a derrubá-lo. E o copo já estava mais do que limpo, na verdade o bar estava impecável, só faltava aquela única cliente. Então decidiu guardar uns baldes de gelo que estavam sobressalentes.
- Ei! Moço! Rapaz! Garçom!
- Sim?
- Coloca duas pedrinhas de gelo que beber isso daqui sem gelo é de matar.

Jeferson Luis de Carvalho

Nenhum comentário:

Postar um comentário