Whisky
- Mais uma dose.
O
garçom com cara de reprovação se dirige a prateleira as suas costas para pegar
a garrafa de whisky. Eram duas da manhã e aquela era a quinta dose que ela
pedia.
- Sabia que na Rússia não se bebe
whisky com gelo? Sim, whisky de verdade se bebe sem gelo, essa história de gelo
é invenção brasileira, assim como misturar água de coco e whisky na mesma
música. Um ultraje.
- Realmente - concordou, o garçom, em tom
displicente, enquanto lhe entreva o copo.
- Na verdade no Brasil tudo se
inventa. Não reciclamos nem perto de um terço do nosso lixo doméstico, mas
reciclamos e reaproveitamos todo e qualquer lixo que nos jogam de fora. Do
country americano fizemos o sertanejo, inclusive, existem cidades que já comemoram o halloween... veja só o halloween? No mínimo nem ao menos sabem
o que essa festa significa. Até nosso samba vem dos batuques tradicionais da
África. Quando ouvimos Martinho na verdade...
- Desculpe, posso sentar?
- Como? Não escutei.
- Posso sentar ou está ocupado?
- Ah... pode sim, fique à
vontade.
- Não pude deixar de escutar que
falava de Martinho. Adoro Martinho. Músicas belíssimas.
- Hum, que bom pra você!
- Como assim bom para mim?
- Sei lá!
- Sei lá, não acredito que essa
seja uma resposta.
- Não? E o que você considera uma
resposta?
- Ué, um comentário, uma crítica,
enfim, algo que possa evoluir para uma conversa.
- Por que necessitaria evoluir
uma conversa com você?
- Olha, são duas e meia da manhã
– o garçom olhou para o relógio, na verdade eram duas e quinze da manhã, mas
como o bar já estava quase vazio e amanhã teria que acordar cedo para buscar o
filho na casa de sua ex-mulher, resolveu omitir a informação para não promover
oportunidade de criar-se um novo tópico discursivo. Limitou-se a secar pela
enésima vez o mesmo copo. - você está sentada em um bar praticamente vazio,
bebendo um copo de whiskey...
- Desculpa, mas é whisky, com som
de i no final.
- O que?
- É whisky, você falou whiskey. É
som de i no final, sem o e.
- Não, é whiskey. Whisky apenas o
que vem da Escócia. Garçom, por favor, pode alcançar a garrafa?
- Com certeza, senhor – certeza mesmo,
pensou, é que após a uma e meia da manhã o que resta no bar são aqueles que
mais trabalho exigem. Seja por infelicidade da vida,
ou fuga da solidão eles ficam lá, como cigarras estáticas em troncos de árvores
esperando a morte chegar aos gritos. Entretanto,
ao invés de gritos, temos bebidas, cigarros e falsas risadas. Alcançou a
garrafa.
- Veja! Produzido nos Estados Unidos...
- Da onde você tirou isso?
- National Geography.
- Hum, interessante!
- Sabe, a maioria das pessoas não
fazem ideia do que se pode conhecer assistindo a esses programas.
Um
sorriso de canto da boca escapou do rosto já cansado do garçom. Lembrou-se de
uma das inúmeras tardes em que não havia muito que fazer e se viu assistindo ao
documentário da vida animal. Olhou para os dois em sua frente e lembrou o dia
em que assistiu sobre o acasalamento dos leões. Como era mais simples o
acasalamento no mundo animal. Escolhe-se a fêmea, sem joguinhos, sem rodeios,
sem empecilhos sociais, puro instinto. Imaginou o leão sentado ao lado da leoa.
Ele já estaria em casa à uma hora dessas, pois o leão levaria dois minutos para
saber se levaria a leoa para casa ou abandonaria a empreitada.
- Garçom!Garçom!
- Pois não – acordou de supetão
de seu Safári na África.
- Você sabia?
- Perdão senhor, sabia sobre?
- O whiskey.
- Ah, sim, sim, naturalmente –
não podia “baixar a guarda”, não ali, era seu domínio. Como é mesmo? Whsky com
i é americano ou é o escocês. Não conseguia lembrar. Como se alguém que está na
quinta dose daria importância para isso.
- Então, são quinze para as três,
você não quer uma carona para casa?
- Olha, desculpa, mas hoje não
sou uma boa companhia.
- Mas...
- Vou ser bem sincera, não há
argumento no mundo que me faça levantar dessa cadeira e entrar em um carro com
você. Pelo menos não essa noite.
Não
pronunciou nenhuma palavra, levantou da cadeira, pagou sua bebida, e como se
estivesse em uma procissão seguiu lentamente até a porta do bar.
- Acredita?
- Pois não?
-Sentou aqui, veio me ensinar
como chamo a bebida que estou bebendo há mais de duas horas – eram três horas,
pensou o garçom, mas preferiu não interromper- e nem ao menos perguntou meu
nome? Aguento a realidade de hoje, homens inseguros e com medo de mulheres
maduras e independentes, portas de carro que não abrem mais, flores que não
chegam, mas falta de educação tem limite. Conversar com uma pessoa sem ao menos
lhe perguntar o nome? Em uma fila de banco ou espera de dentista até vai, mas
justamente com quem você espera algo mais? Francamente. Na verdade, acho que se
falarmos mais de uma hora com uma pessoa o mínimo que deve ser feito é perguntar
o seu nome. Educação vem de casa, coisa de família, sabe?
- Verdade. – o cansaço começava a
derrubá-lo. E o copo já estava mais do que limpo, na verdade o bar estava
impecável, só faltava aquela única cliente. Então decidiu
guardar uns baldes de gelo que estavam sobressalentes.
- Ei! Moço! Rapaz! Garçom!
- Sim?
- Coloca duas pedrinhas de gelo
que beber isso daqui sem gelo é de matar.
Jeferson Luis de
Carvalho
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