terça-feira, 31 de dezembro de 2013

QUE VENHA 2014

QUE VENHA 2014

Complicado essa coisa de ano novo. A Igreja estabeleceu a data há aproximadamente 500 anos. Chineses, islâmicos, entre outros povos comemoram o ano novo em outra data. Portanto, o valor factual da data é questionável, mas como em tantas outras datas do nosso calendário comercial o que conta aqui é o rito e o significado. Mas o que esperar para 2014?
Bem, mais uma vez eu tenho que fazer as compras do final de ano. Após alguns anos, convenci-me finalmente que as passagens de ano em que eu entrava com a alegria e meus pais com o financeiro passaram. Alguns anos que eu entro com a alegria e o dinheiro. A TV irá mostrar a festa nas praias, mostrará as festas ao redor do mundo. Verei novamente a Times Square iluminada em Nova York, pela TV é claro. Olhar no relógio ou no celular é cansativo, a televisão fará a contagem regressiva. Não usei anáforas para repetir TV, pois ela também estará muito presente em 2014. Espero que isso não ofusque meus pensamentos e desvirtue meu olhar. 
Vou trabalhar. Possivelmente vou trabalhar muito, pois optei lá atrás por ser mais do que a vida pretendia para mim. Essa escolha cobra seus tributos constantemente, eles são duros, mas cabe somente a uma pessoa suportá-los, eu. Que não lamente tanto em 2014, melhor, que eu tente não lamentar tanto. Aceitar o fardo é um exercício tão pesado quanto carregá-lo. Sem deslumbramentos. Pois com certeza, verei alguém com um emprego melhor, uma casa melhor, um carro melhor, um trabalho não tão cansativo, mas que eu não fique cego  para quem tem um emprego pior, uma casa menor, um trabalho mais cansativo. Sei que isso é complicadíssimo, então que consiga o mais próximo possível do objetivo.
Não terei tempo em 2014. Hoje as pessoas não possuem tempo. Talvez nunca o possuímos. Somos devorados impiedosamente por ele. Contudo, que o pouco que eu tenha, possa aproveitar e viver com toda intensidade e valorizando aqueles que esperaram para passá-lo comigo. Ler. Preciso de tempo para ler. Pois viajar é preciso, mas nem sempre possível fisicamente. Desejo viagens entremeadas nas letras impressas de um bom livro.
Por fim, que no meio dos fogos de artifício, da mesa farta, das bebidas, dos excessos, das simpatias, dos pulos das ondas, no abraço fraterno, no abraço amoroso, que tenha tempo para abraçar a mim mesmo e renovar minhas forças e acreditar, como disse Drummond, no milagre da renovação.


FELIZ ANO NOVO A TODOS!!

                                                                                                             Jeferson Luis de Carvalho

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

As pernas quebradas

As pernas quebradas

Lamentável o que ocorreu com Anderson Silva na madrugada do último domingo. Para qualquer atleta o momento de uma lesão é traumático e difícil, mais ainda quando ocorre da maneira que ocorreu com o brasileiro. A cena da lesão é chocante e até mesmo comovente. Não existe quem olha a cena e não vira a cara como se estivesse quebrando a perna junto com o atleta. A repercussão é proporcional a importância do atleta e no meu ponto de vista justificada, mas esse fato lembrou-me outras pernas quebradas por aí.
Brasileiro dá canelada todos os dias em joelhos desavisados. Quebramos a tíbia e a fíbula nas segundas, terças, quartas, sem público, mídia ou repercussão. Professores vivem dando caneladas no insistente joelho do governo. Sofrem fraturas expostas horrendas que não são curadas. E logo depois, lá estão eles novamente. Chutando, chutando e chutando.
Trabalhadores saem de casa para receberem um salário mínimo, pagam impostos sobre esse, não ganham benefícios e nunca faltam ou deixam de trabalhar. Desferem seus chutes por aí, sabendo que do outro lado vão apenas encontrar uma perna bem preparada e pronta para quebrar sua perna boa. Mas mesmo assim continuam.
Quebramos nossas pernas a cada dois anos fruto de nossa própria displicência. E essas fraturas recebem os holofotes da mídia, geram os comentários, as séries de televisão, enfim, viram notícia. Dessa lesão infeccionada surgiram nomes como PC Faria, Collor, Maluf, Calheiros entre outros.
Desejo a melhor recuperação do mundo para o Anderson Silva e que ele possa voltar bem ou talvez encerrar a carreira com tranquilidade. Porém desejo recuperação para nós, que as caneladas que distribuímos por aí virem exceções e não regras, que saibamos curar as feridas abertas existentes por aí.


Jeferfson Luis de Carvalho

Somente professores!

Somente professores!

Professor não é como a grande maioria das profissões. Isso é um fato, e dele não se pode fugir. Ele é eterno. É quase uma instituição à parte no mundo. Não existe ex-professor. Professor é para sempre. Você conclui a graduação, faz uma pós-graduação, um doutorado, um pós-doutorado e quando encontra a sua professora da 6° série, da mesma área que a sua, você olha para ela e com tom de respeito saúda: olá professora!
A recompensa de um professor por vezes parece pequena. Mas apenas quem está em sala de aula sabe o que é um sorriso e um olhar brilhando diante de uma nova informação. Professor é um transformador, ninguém é o mesmo após passar por um professor. Essa transformação não tem idade, preferência por gênero, por cor. O docente é um caso perdido de amor platônico. Amor pelos alunos, amor não correspondido, amor bandido. O aluno que não presta a mínima atenção, e quando um dia resolve prestá-la é como um belíssimo dia de sol. Esse mesmo aluno tira o sono do professor, não por seu distanciamento e despreocupação com as aulas, e sim pelo sentimento de impotência do educador em ver seu aluno se perder. Professor trabalha por amor sim, amor não passível de transmissão em palavras. Amor que vira ódio, para vir mais forte mais adiante.
Um vendedor, quando encontrar seu cliente anos depois não será chamado de vendedor. Um professor em 90% dos casos será tratado com o seu cargo antecedendo seu nome por toda a vida. Estar à frente de uma sala de aula é uma mágica em ação. Mágica sem segredo, sem truque. É uma sensação fenomenal. Dar aula é doar uma centelha de sua vida. É saber que por um centésimo de segundo que seja um pedação de sua vida entrou na vida de outra pessoa. Não há preço para isso.
Demorei em experimentar essa sensação, relutei, tentei fugir, mas me rendi. E agora reluto a escapar. Lembro com carinho de todos os envolvidos ...e meu Deus, como lembro. Deve ter algo inerente a biologia de um professor, que transforma qualquer sujeito que entrar em sala de aula em um ser dotado de memória suprema para guardar nomes e rostos de alunos. Guardo por todos um imenso carinho, as turmas do Jovem Aprendiz (alguns já iniciando os primeiros passos para serem futuros professores), o inesquecível colégio Luiz Dourado - um dia eu volto – onde aprendi muito. Aprendi com pessoas maravilhosas. Alunos fantásticos. Naturalmente, lembro do pessoal do Dom Alberto. Galera especial da oitava. Povo show do primeiro, segundo e terceiro ano. Obrigado pelas manhãs divertidas! Ao técnico em enfermagem, agradeço por tornarem minhas noites divertidas demais. Por fim, um grande abraço aos meus professores, atuais e anteriores. Pela paciência e dedicação “em tentar” tornar esse eterno aluno em um razoável professor!
Esse último parágrafo resume um pouco o que sinto como professor. Um parágrafo, um texto, é muito pouco para transmitir tudo que está envolvido nesse processo. Precisamos de mais valorização? Sim, com certeza. Mas, hoje, nos permitamos comemorar nosso dia em paz. Que não sejamos uma “categoria”, e sim “apenas” professores. Nem que seja apenas por hoje. Parabéns a todos!!!


Jeferson Luis de Carvalho

Como arroios

Como arroios

Ao longo da vida perdemos inúmeras coisas. Perdemos amigos, contato com parentes, guarda-chuvas, ônibus, horário do serviço, a aula, fumantes perdem isqueiros, nossos pais, enfim, a perda faz parte de nossas vidas. Cada pessoa sabe a perda que mais lhe marca, dói, machuca. Particularmente, para mim uma das perdas mais marcantes é o olhar virgem, despido, recém-descoberto da infância. O tempo é impiedoso e machuca os passageiros de suas corredeiras. E inevitavelmente os muda.
Otto Lara Rezende já falou sobre a mágica que é ver as coisas como se fosse a primeira vez. Mas não apenas isso, fala como deixamos esse olhar desbravador no passado para utilizarmos um olhar cirúrgico e automático. Passamos a olhar o mundo com uma visão viciada, cansada das imagens do mundo.
O mundo na infância é mágico, novo, vibrante. Na verdade, são nossos olhares que eram especiais. Olhávamos o mundo como desbravadores, aventureiros em um mundo estranho e aberto. Podíamos ser tudo o que desejávamos, a trajetória era longa, e teríamos tempo de correr atrás dos sonhos. Mas a trajetória encurta, o tempo acelera, e inúmeros objetivos acabam negligenciados.
É aí que o mundo fica menos colorido. O pai deixa de ser herói para ser um homem de carne e osso. O bombeiro não é imortal, pelo contrário, é mortal, ganha pouco, faz greve em busca de melhores condições para trabalhar. O professor não sabe todas as coisas. A chuva não é a lágrima de Deus. Invariavelmente não nos tornamos aquilo que idealizávamos.
“Que pena me dão os arroios, os inocentes arroios...” diz Mário Quintana comparando arroios a crianças e rios a adultos. É da saudade que vivemos ao lembrar o mundo como era antes de o conhecermos. A vida, antes uma porta com um sem número de possibilidades, estreita a olhos vistos. E quando menos notamos, o que mais queremos é sermos “arroios” novamente. Cansados de sermos rios.


Jeferson Luis de Carvalho

Onde está o Natal?

Onde está o Natal?

Minha lembrança mais antiga do Natal é uma tarde do dia 24. Aquela expectativas mágica, aquela angústia pela chegada dos presentes. Fui para o banho, o tempo estava chuvoso, saio do banho e vejo um vestígio de pegadas em direção à sala. Eram claras evidências de coturnos, desses utilizados pelo exército, desses utilizados pelo bom velhinho. Era a prova. Quem iria discutir comigo? O Papai Noel era real. Corri para a sala, olhei no pinheiro - de plástico, pequenino, simples – uma embalagem. Retangular. Uma caixa. Sim, naquela época havia três tipos de presentes: o quadrado, que era o melhor, certeza de ser um brinquedo (depois mais tarde descobri que poderia existir roupas em caixas, maldita invenção); o incógnito, da mais variada forma, poderia ser brinquedo, bola, roupa, material escolar, entre outros; o flexível, invariavelmente roupas.
Pois bem, encontrei aquela caixa, abri com tanta calma que do papel de presente pouco era reconhecido após. Um Forte Apache! Se você não sabe o que é procure no Google. Eu queria um Forte Apache! Minha mãe aproximou-se e comentou o quanto Papai Noel era esperto e conhecedor dos segredos íntimos, descobriu o que eu realmente queria. Na verdade, poderia ser o Coelhinho da Páscoa, Batman, o meu cachorro, eu havia ganhado um Forte Apache. À noite teríamos a ceia, mas até lá, era curtir cada momento, tirar sarro da irmã, convencer o pai a brincar junto, brincar até tarde no pátio (que era enorme) e tentar dormir quando era a hora – essa estipulada pelo pai sem total participação do filho.
O Natal já não é o mesmo, a cidade não é mais a mesma, o clima já não é o mesmo, eu não sou o mesmo. Parece que os objetos mudam de tamanho e valor, quando na verdade quem muda somos nós. Se pudesse voltar no tempo, naquela chuvosa véspera de Natal, diria para o rapaz brincando no chão da área: olá, empresta seus olhos mais uma vez?


Jeferson Luis de Carvalho

Carta para o bom velhinho

Carta para o bom velhinho

Querido Papai Noel – espero que seja querido, mas se não o for, encare o elogio como uma abertura de negociações amigável -, estou escrevendo tardiamente minha carta de fim de ano, mas como dizem por aí, antes tarde do que nunca. A propósito, nunca entendi bem essa coisa mística com a virada de ano, onde ficam os outros 365 dias do ano? Se não mudar no início só muda no ano que vem? Sei lá, vai entender. Enfim, tenho alguns pedidos e espero que possa ser atendido.

Antes, se me permite, gostaria de saber: como o senhor organiza a sua logística? Porque entregar presentes para o mundo inteiro deve dar trabalho. Nós temos aqui no Brasil os Correios, o senhor não deve conhecer porque se não usaria, e eles cobram quase R$ 40,00 para que algo chegue em 24 horas no destino. Falando em procedimentos, sei que existem inúmeros lugares na Terra inexplorados, mas não consigo crer que há algum ponto no pólo norte que abrigue um campo industrial suficiente para produzir todos os pedidos. Digo isso porque sei de pessoas que ganham carros de presente, pode isso? Já que estamos entendidos – desculpe Papai Noel, não consigo ser objetivo -, diga-me: como funciona sua relação comercial com os grandes fabricantes? Eles repassam apenas os custos operacionais do produto ou toda a carga de impostos também? Por falar em impostos, o senhor paga impostos para entrar com mercadorias dentro do país? Se a resposta for negativa, tenho que ser honesto e evidenciar minha extrema reprovação, pois tive um desconto exorbitante em meu último imposto de renda e mesmo assim sou obrigado a pagar essas taxas. Espero que essa minha última observação não abale nosso relacionamento. Por fim, como operam essas renas? Possuem algum tipo de alimentação específica ou algo do tipo? Dentro das possibilidades, adoraria receber um exemplar desses belíssimos e particulares animais, pois estou um tanto decepcionado com meu meio de locomoção movido a combustível fóssil. Pode parecer engraçado bom velhinho, mas o combustível é obtido em território nacional, não é terreno de ninguém, mas infelizmente eu não sei como pega-lo e nem como transformá-lo em gasolina, por isso pago por ele. O preço é surreal. Se possuir umas quatro renas que não voem mais, mas que possam se locomover com agilidade e velocidade em terra, eu já agradeceria.

Bem, findadas as curiosidades, chega a hora dos pedidos. Estou meio velho para isso e cá entre nós um pouco descrente. Não quero que soe ofensivo, mas tenho quase certeza que não vi vestígios seus nos últimos 28 anos. Se estiver enganado quanto ao fato, desculpe. Para esse ano, gostaria de uma Ferrari, dessas vermelhas, com rodas esportivas, símbolo do cavalinho e tudo mais. Mas descobri que o IPVA de um carro desses é maior que meus vencimentos anuais. Então...fico com o meu. Queria uma casa, dessas com 5 banheiros e 10 quartos. Mas também descobri que o IPTU é proibitivo, então fico com a minha. Uma viagem não seria nada mal. Conhecer culturas, povos diferentes, mas não conheço direito nem meus vizinhos, então eu vou ficar por aqui mesmo. Saúde. Isso eu preciso. Parei de fumar, mas estou tomando água em garrafa e descobri que ela é cheia de sódio, existe algo que não faça mal? Pensando bem, trazer saúde está difícil também.

Ficamos combinados com o seguinte. Traga-me tempo. Esse em excesso e sem restrições. Tempo para ficar com minha família, para passear no parque, para brincar, para mim, para não fazer nada...para viver! E claro, tempo para escrever uma carta. Não traga relógios, esses, a vida me dá aos montes.


Jeferson Luis de Carvalho

No trânsito

No trânsito

É patológico. Talvez uma compensação por não ser mais socialmente correto marcar território como cães. O fato é que todo homem é um guerreiro no trânsito, um super-herói anônimo que não deixa a injustiça e a falta de respeito impunes. Seu repertório de superpoderes inclui uma super buzina, gestos meticulosamente treinados a exaustão simbolizando todo e qualquer gesto obsceno e claro, o imponente aparelho vocálico responsável pela emissão dos maiores pronunciamentos politicamente incorretos do mundo. Diante dele, nunca corte a frente de um veículo, use o pisca, não cometa barbeiragem. Pois esse herói anônimo estará à espreita.

Bibibiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!!
- Barbeirão! Olha por onde anda!!
- Querido, calma, olha o estresse desnecessário.
- Calma nada, você viu o que ele fez?
- Meu bem, isso só faz mal para você.
- Vai fazer mal para esse filho da puta!
- Viu, você nem conhece a mãe da criatura.
- Conheço só de ver o que faz no trânsito...biiiiiiiiiiiii...Seu filho da puta!!!
- Para o carro! Para o carro que vou descer!
- Desce não, agora não dá. Olha ali,acelerando, quer fugir. Esse não perde por esperar, a sinaleira é logo ali na frente.
- Você está louco!
- Louco me deixa isso. Olha, olha, mostrou o dedo para mim. É um rapazito de merda. Tinha que pegar os pais desse energúmeno!
- “E” o quê?
- Energúmeno, pessoa inútil. Abre o vidro, abre o vidro seu filho da puta!
- Pai?
- Marquinhos? Que carro é esse?
- É do Júlio, estava indo buscar seu presente para a festa de hoje à noite. E que carro é esse?
- Nosso carro novo, tirei da concessionária hoje, não me viu lá atrás?
- Não.
- Melhor tomar cuidado em filhão, agora, vai lá buscar o presente do paizão aqui.
- Pode deixar, beijo mãe, beijo pai.
- Não fala nada, não fala nada amor.
- Homens...


Jeferson Luis de Carvalho

sexta-feira, 26 de abril de 2013


E o Oscar vai para?
Rodrigo Bartz
Após a cerimônia de entrega do Oscar aos glamorosos do cinema americano me entristeci profundamente. Melancolia esta causada pelo pouco reconhecimento da literatura brasileira e também pelas políticas que comandam, regem a nossa humanidade. Política que conforme o dicionário Aurélio sinteticamente significa; ciência do governo dos povos, mas que tem seu conceito e aplicabilidade totalmente deturpada no mundo atual, e infelizmente, estão em todas as esferas sociais. Após olhar o filme As aventuras de PI, baseado na obra Life of Pi, do escritor canadenseYann Martel“fiquei com a pulga atrás da orelha.
Pensei, eu conheço essa narrativa. Mais tarde vasculhando minha singela biblioteca caseira encontrei nosso saudoso póstumo escritor gaúcho Moacyr Scliar. Simplesmente idênticas a obra Max e os felinos de Scliar, publicado em 1980 e A vida de Pi, publicado em 2001, como foi batizado o livro aqui no Brasil. Intrigado pesquisei um pouco sobre o autor e tal polêmica e as incongruências e discrepâncias logo apareceram. Questionado pelo plagio e sobre se teria lido a obra de Scliar rapidamente responde que não que apenas leu uma crônica desfavorável, um comentário de JohnUpdike feita no jornal americano The New YorkTimes e quisera ele “aproveitar uma boa ideia estragada por um escritor ruim”. Mas que crônica?O jornal americano jamais publicou crônica alguma. Totalmente contraditório escreve um agradecimento a Scliar no prefácio de Life of Pi .
Poxa vida, porque não citar!
Como afirma Antoine Lavoisier, na natureza nada se cria tudo se transforma”. A própria história da humanidade e da literatura mostra que as intertextualidades e busca em fontes, obras já consagradas sempre foram comum e até aí nãoexiste mal nenhum.
Ah e a política? Peço desculpas ao leitor pela embroma. Reclamo da política porque o que comanda a humanidade por incrível que pareçatambém e/ou a literatura é ela. Por exemplo, das editoras que colocam nas estantes das bibliotecas e livrarias os ditos “Best Sellers” como Life of Pi e deixam esquecidos os Guimarães rosa, os Scliar, os Machado de Assis. O próprio prêmio Nobel é envolvido, guiado e chefiado por uma política de defesas filosóficas, editoriais e sociais que, inclusive são a metade da indicação.
Às memórias de Scliar fica aqui os parabéns, e um apertado quebra costelas. Ele que não parou de pelear e a resposta aos editores americanos que após a polêmica dariam o mundo ao escritor, e ele, dissera não. Preferiu manter a boa ideia mal aproveitada, segundo Martel e não cedeu as comercializações sem precedente.  
Mas, direis não se preocupe Scliar o oscar da literatura vai para você. E para o escritor YannMartel somente uma pergunta. Por que não citar?

SEDUZINDO PELO LITERÁRIO
RODRIGO BARTZ

Algumas reportagens são marcadas pelo literário, assim, o debate acerca de que forma o texto jornalístico impresso, repleto de recursos utilizados pela literatura, pode atuar para despertar o interesse do leitor, ganha ênfase nos dias atuais.
Essa discussão ganha força, depois da inserção da tecnologia digitalizada nas redaçõesque tem seu Boom mundial em 1970 e dez anos mais tarde no Brasil, e também com a chegada da internet menos de duas décadas depois, criando a informação em rede. Tal “avanço” faz com que a noticia alem de chegar e concretizar-serapidamente, roube a cena do impresso, até então líder na forma de levar informação. Fazendo (re)pensar e (re)construir, uma técnica de praticamente 300 anos. E ademais, conceitos, nomes e teorias da comunicação que eram e são frequentemente utilizados para “explicar” o jornalismo parecem não mais dar conta, surgindo, consequentemente, uma revolução e muitas dúvidas na maneira de se fazer jornalismo impresso.
Jamais se defendeu o uso exclusivo do jornalismo que utiliza expedientes literários, e nem que ele deva estar em todos os textos, independentemente da informação que se queira transmitir. Acredita-se, sim, que a presença do literário nas páginas dos jornais pode contribuir para seduzir o leitor e dar a ele possibilidade de perceber o fato narrado por outro ângulo, diferentedo tradicional.
Os fatos, nas reportagens são enquadrados em estereótipos para não perder as características principais do jornalismo, distanciando assim, seu leitor. Já os que bebem da literatura, por sua vez, ao se aventurar por formas que causam surpresasinesperadas de narrar, alcançam de maneira própria e individual a complexidade de uma história que está sendo contada.
Segundo Juremir Machado da Silva (2006) o distanciamento da literatura é o que torna o jornalismo cada vez menos atraente para osleitores.
Marcelo Bulhões (2007) afirma que essa técnica pode até parecer estranha para leitores de jornais do século XXI, porém vem sendo usada desde o final do século XIX e começo do XX por escritores consagrados como Eça de Queiros, por exemplo.
Na verdade, os jornais estão tentando diferentes estratégias para se reposicionar, encontrar novas justificativas para sua sobrevivência. E as reportagens que utilizam recursos literários aparecem com cada vez mais intensidade nas redações dos jornais impressos.
O jornalismo que se aproxima da literatura, carrega consigo, de fato, a potencialidade expressiva capaz de trazer uma nova percepção para a realidade cotidiana do leitor.
E em se tratando de potencialidade expressiva temos um sucesso de recepção frente ao público,que é a produção, digamos, diferente da jornalista Eliane Brum que merece nosso atento olhar. Suas reportagens trazem a temática inesperada, a narração e o envolvimento do narrador repórter na história contada.
Analisando os componentes formais e temáticos de sua produção, as reportagens da jornalista se mostram como bons exemplos da realização jornalística que utiliza recursos da literatura para alcançar a complexidade dos fatos que se narram.
Escondidas por trás da banalidade do cotidiano e daquilo que não se vê, as histórias esperam e merecem ser contadas. Utilizando os recursos literários, torna a sua narrativa, apesar de jornalística e séria muito mais atraente. Percebe-seclaramente essa técnica como, por exemplo, no texto “O exílio” da coluna A vida que ninguém vê: “Elas vivem uma ao lado da outra. Uma em cada cama. Duas ilhas que não se tocam. Há algum tempo Vany nem mesmo enxerga Celina.”, trecho em que a solidão das senhoras é comparada, analogicamente, a duas ilhas, tão próximas e ao mesmo tempo sozinhas, sem comunicação.Comum as obras literárias, tais recursos apresentam um caráter singular, diferente, ousado, fascinando, assim, muitos leitores.
O jornalismo que traz elementos comuns à literatura é potencialmente atrativo para o público leitor. Em um momento em que se discute a crisedo jornalismo impresso, a produção de ElianeBrum, por exemplo, se apresenta como uma resposta, um caminhoa ser trilhado pelo jornalismo para recuperar leitores. É importante ponderar, todavia, que ainda tem-semuito que evoluir acerca dessa relação entre jornalismo e literatura, e que até o momento não se pode afirmar que tais textos literários jornalísticos venham a ser a salvação do jornalismo impresso.
Além disso, considerando a literatura como marca de uma voz autoral, como algo que não se ensina, é de se questionar de que forma jornalistas podem desenvolvê-laDe qualquer modo, existemmuitos questionamentos e poucas respostas, mas comprova-se que o texto jornalístico literário se torna um potencial atrativo, não a salvação, mas um fortíssimo aliado para que leitores voltem às páginas impressas.


terça-feira, 16 de abril de 2013

O matador de serpentes


O matador de serpentes

      No princípio criou Deus os céus e a terra.E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas. E disse Deus: Haja luz; e houve luz. Após alguns ajustes complementares, que por agora não se fazem necessários justificarem ou relatarem, realizou Deus sua grande obra: E criou Deus o homem à sua imagem: à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. Mas por artífices do destino comeu do fruto proibido a mulher. E pagaram por esse feito todos os seres humanos desde então. Do gramado leve e macio do jardim do Éden, ficamos reféns da aridez e aspereza do restante da Terra. E para agüentar os solavancos o homem criou os sapatos. E viu que era bom e útil. A mulher viu que era bom, mas não útil, pois ficava em casa e não necessitava transpor grandes distâncias, e sim belo. E desde então para o homem o sapato é útil, e para a mulher é belo.
- O que acha amor?
- Hum...bonito!
- Também achei.
- Vai comprar?
- Não sei...ah, moça, deixa eu ver aquele ali – e largou o par de sapatos junto de outros quatro pares que havia separado. Estavam ambos há mais de quarenta e cinco minutos dentro da loja. O marido já havia decorado a ordem de disposição dos tênis masculinos há pelo menos vinte minutos e estava terminando de obter o valor total em mercadorias no espaço destinado aos pobres homens. Queria ir embora, contudo a última vez que fez isso, ouviu um risonho “tudo bem” da esposa, que se transformou em um leve mal estar no caminho para casa, que se transformou em pequeno desentendimento em casa, que se transformou em porta do quarto batendo e um discurso de como ele não podia ficar junto com ela em uma loja de sapatos por quarenta minutos se ela mantinha-se fiel por noventa minutos toda quarta-feira à noite assistindo a vinte e dois homens correndo atrás de um objeto redondo. Sem argumentos riscou a opção de sua agenda.
 - Amor, olha esse!
- Bonito, porque não compra esse?
- É que preciso de um sapato alto, e esse é baixo. Mas é tão bonito.
- É tem que escolher um deles – falou isso como que alguém que olha para o céu azul e diz que tem que chover. Certamente que a esposa quereria levar os dois.
          A mulher viu que a árvore era bonita e que suas frutas eram boas de se comer. E ela pensou como seria bom ter entendimento. Aí apanhou uma fruta e comeu.
     A esposa sorridente veio ter com o marido explicando e justificando a necessidade de ter os dois pares de sapatos. O marido irredutível disse que não. Foi como uma bofetada na cara da mulher. Agora sim ela iria arrumar emprego, o filho que fosse para a creche. Depender de marido jamais. O homem remoia por dentro, estava comprando um sapato, porque todo essa revolta. Passou seu cartão como sempre fizera e se dirigiram ambos para o carro. Ela emburrada com uma sacola de compras, ele emburrado com a chave do carro e uma dor na ponta do calcanhar que o irritava muito, e pelo andar da carruagem não ganharia massagem ao final do dia.
           Entraram no carro e não trocaram uma só palavra. Dirigia o carro como se esse lhe fosse inimigo, raios de carro automático, não podia nem ao menos judiar do cambio de marchas. Avistou um objeto se movendo na rua, era uma cobra, não, era a serpente, a culpada de tudo. Não reduziu, concentrou todas as suas energias naquele ato. A humanidade parou por um segundo esperando o desfecho. Não errou, passou certeiro por cima da cabeça da serpente. Vingou anos e anos de sofrimento. Horas e horas de lojas entupidas de atendentes e sapatos. A serpente não teve tempo de saber o que lhe acertou, morreu instantaneamente. Freou bruscamente o carro, a esposa se assustou. Desceu do carro e foi até o local onde estava o corpo esmagado da serpente. Queria mostrar seu rosto, para que soubesse quem havia lhe tirado a vida, que pensasse duas vezes em oferecer um fruto que fosse proibido a uma mulher. Estava agora de alma lavada, voltou para dentro do carro, olhou para esposa assustada e disse:
- Semana que vem comprou um muito mais bonito para você! Você vai ver – encostou de leve a mão nas coxas da mulher, ela deixou, um sorriso escapou, pequeno, mas tão anunciador como um raio de sol após uma tempestade anuncia um lindo dia. Ligou o seu carro e agradeceu por não ter uma embreagem para pisar, pois a dor no calcanhar se acentuará.
              Agora o homem se tornou como um de nós, por isso Deus expulsou o homem do jardim do Éden e fez com que ele sofresse na terra da qual havia sido formado.

Jeferson Luis de Carvalho

Meu amigo (des)conhecido


Meu amigo (des)conhecido

Era no ano de 2058 o mundo havia mudado. As pessoas não conversavam mais e sequer liam livros, porque eram proibidos, quer dizer, conversar até podiam, contudo livros em forma física nem pensar. Resumos e E-books tomaram conta do planeta terra. Mas faltava alguma coisa para aquela menina chamada Sofia.
Sofia era uma menina que tinha em torno de 12 anos e impressionava-se com as histórias contadas pelo seu pai. O pai tinha 46 e vivera em uma época totalmente diferente. Mas como nostalgia guardava alguns utensílios em uma caixa branca que ficava no porão.
Muitas vezes a menina perguntava:
- Pai eu posso abrir e olhar o que tem aquela caixa?
A resposta era sempre a mesma:
- Pode filha, mas provavelmente não encontrará nada semelhante com o que se tem hoje, porem mesmo na escuridão do porão uma certeza eu tenho, você encontrará a luz.
Mas como toda criança e suas curiosidades Sofia não se conteve. Um dia pela tarde cansada de ler somente os resumos que agora era o que se tinha, e podia ler, resolveu buscar na caixa um livro, esse objeto que seu pai tanto falava e canonizava.
O primeiro sentimento foi um frio na barriga. E se esse tal livro fosse bravo ou mordesse, ou sei lá, falasse coisas que ela não gostaria de ouvir. Porque em uma das conversas que escutara atrás da porta ouviu seu pai falando a um amigo que o verdadeiro livro era sabedor de tudo. Que encontrávamos em um livro conhecimento infindável.
O primeiro passo foi tenso, mas a vontade de olhar, tocar, conhecer esse objeto era muito, mas muito maior. Ao abrir a caixa deu uma gargalhada daquelas do fundo da alma, verdadeiras. Não tinha nada de mais, somente uma espécie de folhas envoltas por uma capa consistente, dura.
Pegou o na mão tirou o pó e ali estava o título, Fahrenheit 451, romance datado de 1953 que seu pai guardava como um verdadeiro tesouro. Ao abri-lo muitas letras juntas formando frases e o mais incrível de tudo não era touch screen. Encantada começou a ler a primeira página, o resumo como estava acostumada, entretanto nesse formato era uma frase mais incrível que a outra. O romance contava uma história longínqua em que os bombeiros ao invés de protegerem as casas do fogo queimavam livros. Impressionada, Sofia escuta uma voz. Assustada pergunta:
- Quem é?
Claro que era uma pergunta retórica, pois não queria respostas, porem o inevitável acontece. O livro ganha voz:
- Sou eu Ray Bradbury.
A menina tremula de medo pergunta:
- Quem?
- Eu Ray Bradbury o autor do livro que segura.
 - Você fala?
- Falar não, dou voz ao livro e ele faz muito mais que isso. Ensina, faz as pessoas chorarem, alegrar-se e possui muito conhecimento.
- Conte-me mais, por favor.
Claro. Eu escrevi esse livro no século passado, todavia usei apenas verossimilhança para mostrar, na verdade como as pessoas ficam alienadas sem livros.
- O que é verossimilhança e alienado? Pergunta Sofia.
- Não acredito. Com toda essa tecnologia ainda não sabe o que é verossimilhança e alienado. Bem, verossimilhança, posso dizer de uma maneira simples que é a proximidade com a realidade e alienado é estar sem estar, não saber, deixar-se levar.
- Ah tá.
Como dizia nunca pensei que essa era chegasse literalmente.
- O que é literalmente?
- Literalmente é concreto, real. Por favor, não pergunte mais, senão pararemos muitas vezes. Pela lógica entenderá. Como dizia, na minha história as pessoas não podiam ler porque era proibido e os bombeiros cassavam as pessoas e queimavam seus livros. Mas as pessoas que tinham sede de conhecimento me decoravam e fugiam criando cidades inteiras de pessoas livros.
- Como assim?
Sim, pessoas que eram reconhecidas por nomes de livros, pois haviam decorado determinada obra e recitavam para os demais cidadãos para que nunca se perdesse.
- Sério? Não acredito?
- Olha, não quero acabar a nossa conversa, mas não está na hora de carregar sua bateria?
- Não, eu não tenho bateria. Duro o tempo todo, uma vida toda.
- Que legal! Tá, mas como faço para passar para o próximo link?
- Não eu não tenho links tenho apenas essas folhas que você vê e para continuar basta molhar o dedo na língua, folhear e pronto, continuaremos.
- Ah tá. Vou continuar minha leitura. Posso fazer outra pergunta?
- Pode.
- Mas como é que você dura tanto tempo? Porque escreveu esse livro no século passado, se fosse como os livros em E-books que temos hoje que todos chamam de obra de arte não duraria um ano.
- Uma coisa posso dizer com segurança Sofia. Esses que são chamados de arte e não duram um ano, não são arte. Não passam, na verdade, de um amontoado de palavras que não inquieta, não deixa dúvidas e, por isso não são duradouros. Isso posso lhe provar com diversos exemplos que se encontrares outros admiradores como teu pai veras irmãos meus, inclusive muitos mais velhos. Agora eu posso te fazer uma pergunta?
- Porque vocês não criam cidades como a criada em minha história?
- A senhor Ray, não seriam possíveis, logo as autoridades ficariam sabendo, meus colegas também e eu além de ser presa me tornaria piada na escola. Porque a vontade deles, das autoridades, e que fiquemos assim, como o senhor disse antes, aquela palavra; alienados. 
- Mas como assim? Vocês não leem na escola?
- Não, quer dizer, até lemos, porem somente resumos, temos muitas coisas para olhar e escutar e não temos mais paciência. E para que ler um montão de horas se em poucos minutos conseguimos saber o que vocês querem dizer nos resumos.
- Aí é que está o problema. O verdadeiro livro, arte na sua essência não nos dá respostas. Ele nos deixa com vontade de querer mais como te disse antes.
- Como sem respostas? Sem respostas não tem graça.
- Tente que você vai ver a magia que é Sofia.
- Acho que está na hora de eu sair aqui do porão. Como faço para saber onde parei de ler você, tenho que copiar, colar, fazer download ou colocar em meus favoritos?
- Não, basta pegar uma folha estreita que está no fundo da caixa.
- Como se chama essa folha?
- Marca páginas. E amanhã você volta?
- Com certeza. Até amanhã
- Foi um prazer Sofia, estarei esperando você.
A menina hipnotizada sobe para sala onde está seu pai sentado, olhando para um quadro, pensando alto, como que se conversasse sozinho. A filha eufórica o indaga.
- Pai, pai, eu fui lá embaixo na sua caixa peguei um livro e ele falou comigo. Que impressionante pai os livros falam o senhor tinha razão, os livros são incríveis.
- Sim, acredito, pois tem toda a razão. Eu tinha absoluta certeza de que um dia encontraria a porta de saída de sua caverna e libertar-se-ia da condição de escuridão de seu conhecimento. Agora já sabe filha o porão estará sempre aberto, volte quando quiser.

Rodrigo Bartz

ENCURRALADO


ENCURRALADO
Mesmo depois de cinco anos muitas dúvidas ainda pairavam sobre minha cabeça. Estava ali, defunto, sentado naquele sofá duro, mas o único lugar meu que fazia, mesmo parcialmente, me sentir em casa. Ela tomava banho e insistentemente cantava alta aquela música irritante, sertanejo universitário, sei lá, era só o que escutava, quer dizer, escutava e cantava tudo que não fazia sentido.  Eu lia Memórias Póstumas de Brás Cubas, era uma sexta, na segunda pela manhã daria uma aula de literatura. Isso já deveria ser sabido, porque passei cinco anos lendo livros, fazendo análise literária, estudando biografias e mesmo assim tinha muitas dúvidas. Um exemplo claro era se algum aluno perguntasse:
- Professor porque no nome tem póstumas?
Não saberia responder. Todavia, o martírio mesmo, era ela. Inconveniente, espaçosa, totalmente sem bom senso e muito acima do peso, alias eu era o único magro. Odiava tanto ela depois desses anos que tudo fazia mal, dava náuseas. Sempre quando estava lendo ela achava algum assunto, como sobre sua academia, os lucros, os imóveis que seu pai havia comprado, tudo isso me deixava pra baixo e voltava a perceber o pouco espaço que resumiam-me.
- “Não tenho nada, se não fosse ela não teria nem onde morar”.
Fazia-me de legado balançando a cabeça que sim com um sorriso amarelo no rosto. Ludibriado na leitura, minha cabeça, na verdade, pensava como a cabeça de Brás. Essa sim era tudo de ruim não apenas coxa. Tomava banho, sentava no sofá, não perdia a novela por nada nesse mundo e tinha uma mania que irritava muito. Olhava às vezes e de repente perguntava:
- O que foi?
Levantando a cabeça pra cima.
Simplesmente horrível.
No outro dia tínhamos uma festa. Era de um dos amigos do pai dela, sei lá, acho que era deputado.
Seus pais me odiavam. Uma por ser um pobretão sem pai nem mãe e sem êra nem bêra e outra por ser professor. Sentada com um iogurte na mão e com a boca toda lambuzada disse:
- Olha só! Amanhã sabes que temos um jantar com um dos amigos do papai né?
- Toda vez que alguém importante vir cumprimentar vou apertar teu braço. Tá bom?
Como se eu não tivesse educação. Poxa vida, sou um professor, sujeito que deveria ser mais respeitado que o presidente e meu braço que sofrerá cutucões quando alguém “importante” vier me cumprimentar.  
Foram as últimas palavras dirigidas a mim naquela noite. E eu ali sentado, lendo meu livro. Depois da novela foi dormir. Conseguia escutar o ronco da sala. Mais ou menos a uma da manhã eu fui e só pensava como seria minha vida se estivesse solteiro. Tenho um amigo o Dionísio. Amigo de infância se formou em engenharia civil. Hoje trabalha para uma empresa que já lhe deu promoções esse ano. Passou de estagiário para engenheiro e de engenheiro para chefe de departamento. Fazia festa todo dia, mulheres, bebidas, farra, um paraíso na verdade. Isso era o que mais me incomodava. Professor ganha pouco e não tem nenhuma perspectiva de crescimento. Comecei assim e morrerei ganhando essa mesma miséria e tendo esse mesmo descrédito por parte da sociedade.
 Dormi mal como sempre pelo ronco e pelo pouco espaço na cama. O outro dia passei todo preparando minhas aulas e ela na academia. Lia Dom Casmurro. Outro enigma. E se um aluno perguntasse:
- Professor a Capitu traiu ou não traiu?
Outra pergunta sem resposta. E isso me deixava triste e profundamente vulnerável. Para que serviram tantas leituras de Badler, Goethe, Balzac, Dostoievski se muitas perguntas não tinham resposta. Sentia-me como Naziazeno de Os ratos, só que com uma diferença ao invés de os ratos comerem o dinheiro sentia como se comessem meu cérebro e quanto mais lia com menos informação ficava. As horas se passaram e escutei a escada. Merda! Vem ela. Entrou em casa da mesma forma de todos os dias. Tirou os tênis na porta e assim foi fazendo seu rastro de roupa. E antes de chegar ao banheiro já estava nua. E deixava a mostra aquele corpo “exuberante”. Com uma bunda que mais parecia uma peneira de tanta celulite. Gritou da porta do banheiro:
- Arrume-se já são cinco horas da tarde as seis temos o jantar.
Preparei minha roupa, uma qualquer, porque não fazia questão de ir naquela porcaria de jantar. Depois do banho estava me vestindo. Ela também. Olhou e proferiu aquilo que me irritava muito:
- O que foi?
Levantando a cabeça pra cima
A vontade que eu tinha era de responder, eu te odeio sua gorda burra, insolente, desgraçada, mas... nem respondia mais. Mesmo me irritando já estava acostumado.
No caminho não trocamos uma palavra. Apenas olhava a paisagem. Chegando ao tal jantar a primeira coisa que ela me falou foi:
- Te disse para vir de terno.
Eu não dei a menor importância, não escutava direito mais se falava ou não. Sentamos com meu sogro e sogra em uma mesa bem no centro do salão de festas. Ocuparam quase toda mesa, eu fiquei espremido no cantinho deixado, como acontecia em todos os lugares. Quando o primeiro se aproximou recebi um cutucão no braço:
- Esse é o desembargador.  Me disse baixinho.
Levantei cumprimentei sentei-me novamente. E mesmo na insignificância das palavras aquilo me inquietou e comecei a olhar para os lados. E quando me apresentavam para alguém ninguém era cutucado. Não sei, na verdade, se era maluquice ou se tinha algum fundamento, porém a minha importância naquela festa analisando pelos cutucões, era nenhuma. Sinceramente não sei o porquê me incomodei, isso já era normal. Era rejeitado e humilhado pela sociedade, pela família dela, pelos pais dos alunos, por todos.
Voltamos pra casa, dormimos e naquela noite foi a primeira vez que pensei nisso. Pensei ter ficado inato ao sexo, porque há um ano não sentia nada nem um tipo de tesão. E isso que a última vez tomei umas doze cervejas para transar, mas enfim...
No domingo almoçamos e após ela sentou no sofá. Fiquei ali olhando alguns manuais didáticos. Como sempre entrincheirado no pouco espaço que era meu. Dormimos sem sequer trocarmos um: “boa noite!”.
Na segunda acordamos e fui trabalhar. No ônibus lotado fiquei quieto olhando pela janela. Na noite passada foi o “ápice”. Alem de roncar a noite toda e ocupar oitenta por cento da cama tivemos uma briga. Jogou-me na cara o que eu já sabia e todos sabiam, mas nunca havia escutado.
- Você não tem nada seu professorzinho de merda miserável. Se não morasse comigo, moraria em uma pensão ou embaixo da ponte!
Juro, nunca senti tanta raiva. Pensei em fazer como o jovem Werther e me matar, mas werther se matou por amor e eu tirar minha vida por ela; jamais. Pensei em matá-la, mas como...
Depois de quase uma hora entrincheirado no pouco espaço no banco do ônibus, cheguei à escola. Tudo normal. Gritos, correrias, enfim o cotidiano normal. Na sala dos professores pairava o mesmo clima tenso, desagradável e desmotivador o que me piorava cada minuto mais. Trabalhar em escola pública exige muito do professor para com os alunos, porém o pior mesmo é a sala dos professores. Não param um minuto de falar nos alunos, nos baixos salários e tudo negro que existe na vida escolar, parece quando se está na frente do I.M.L esperando para saber se é seu filho o defunto. Tu não sabes se diz um bom dia, ou meus pêsames.
Entrei na sala e quando comecei a me preparar para iniciar a aula ouvi um cochicho. Pedi silêncio, mas eles não paravam então perguntei o que havia acontecido. Um dos meninos me disse:
- Professor o Dilson está com uma arma!
Caminhei até a classe dele e reconheci era uma arma calibre trinta e oito. Com cano enferrujado, mas uma arma potente que podia matar. Estava ali a minha chance. Fiquei uns trinta segundos sem dizer nada. Imaginava o que teria feito Bento Santiago com Capitu se tivesse uma arma em suas mãos. Pensei no tiro entrando na cabeça e acabando com os problemas de Bentinho e os meus. Voltei ao mundo real. Um barulho ensurdecedor dos meus alunos gritando porque havia Jeferson pego a arma. Imediatamente chamei a diretora e relatei o fato. Ela ligou para polícia. No turbilhão dos acontecimentos acabaram esquecendo a arma que por coincidência, ou não, não sei, veio parar em minhas mãos. O correto seria devolver, mas aqueles pensamentos de me livrar e a raiva não me deixavam outra alternativa, fiquei com a arma. Voltei o caminho todo normalmente, calado apenas olhando para o nada. A diferença era que o pensamento estava em enfiar uma bala bem na cabeça dela.
Cheguei ao prédio às 12h30min como os outros dias para almoçar, subi as escadas lentamente e parei a porta. Pensei em tudo na minha vida, a infância difícil, a profissão medíocre e o casamento ou “junção” com aquele demônio o pouco espaço na sociedade. Tentei olhar pelo olho mágico. Não vi nada. Toquei a companhia, estava totalmente fora de mim. Que burrice mesmo com a chave toquei a maldita companhia. Pensei, ela abre a porta e eu atiro sem pensar e acabo com tudo. Ela veio olhou e abriu:
- Ah é você. Pensei que tivesse chave. Não esquece a cabeça porque tá grudada.
Sentei no sofá abri a mochila e peguei a arma. Apavorada com olhos esbugalhados olhando pra mim disse:
- O que quer com essa arma?
Falei:
- Nada! Não se preocupe não vou te fazer mal.
Olhando incessantemente para aquela arma engatilhei-a. E mais uma vez olhou-me e disse:
- Largue essa arma e fale alguma coisa homem.
Lentamente no meu espacinho, olhei me Levantando do sofá:
- Calma. Tivemos um ponto positivo no nosso relacionamento.
Ela perguntou-me.
- Qual? O que você está falando?
- “Não tivemos filho, não transmitimos a nenhuma criatura o legado de nossa miséria”.
        RODRIGO BARTZ