-
Foi apenas um oi.
-
Foi nada, tinha mais coisa ali.
-
Você está é ficando louco.
-
Você não sentiu o que eu senti.
-
Como você pode afirmar que por causa de uma troca de palavras todo esse
sentimento aflorou?
- Aí
está, não aflorou, já estava lá, já existia, apenas não sabíamos. Ou melhor, não
nos conhecíamos.
-
Vocês falaram pela primeira vez! Pensa bem.
-
Esse é o grande problema das pessoas hoje, pensar.
-
Pensar é problema?
-
Sim, pensam, raciocinam, mas ignoram a essência, o sentido oculto.
-
Acho que você está maluco.
- Não,
o amor não é um sentimento?
- É,
mas...
-
Como querer explicar um sentimento excluindo o sentimento?
-
Estamos falando de um oi.
-
Não, estamos falando de algo mais. De uma conexão, algo repentino.
-
Destino?
-
Não, não. Não se enquadra isso em teorias. Não há teoria que explique isso.
-
Estou começando a ficar preocupado com você.
- As
coisas acontecem, as pessoas estão tão ocupadas que não enxergam mais as coisas
que ocorrem ao redor. Trabalham, trabalham e adquirem. Apenas isso. Esquecem da
essência.
- Tá
bom. Eu trabalho e trabalho. Quer dizer que perdi essa tal de essência?
-
Claro, você não queria ser bombeiro?
-
Meu Deus, toda criança quer ser bombeiro.
-
Exato! Quantas tornam-se bombeiros?
- Eu
lá vou saber.
-
0,005%.
- O quê?
-
Isso, 0,005%. Quer dizer que de todas as crianças, 99,995% abandonam seus
sonhos em prol de ideais de uma sociedade corrompida e sem essência.
-
Mas você queria ser analista de sistemas?
-
Claro que não.
- E?
- O
quê?
-
Como fica a tal da essência?
-
Descobri ela há pouco tempo. Não a conhecia antes.
- E
agora, que você a conhece, o que você irá fazer?
-
Ainda não a conheço tão bem. Estou aprendendo.
- E
a moça?
- O que
tem ela?
-
Ela é seu sonho?
-
Não. Ela é minha essência.
- E
você descobriu apenas com um oi? Algumas palavras trocadas.
- A essência
é repentina, aparece onde menos se espera.
-
Olha, um conselho, não faça nenhuma besteira. Pense bem nessa tal de essência antes
de cometer uma atitude impensada.
- Eu
vou te dar um conselho, presta atenção nos detalhes. Pode jogar fora a chance
de encontrar a felicidade.
- Tá
bom, pode deixar.
Essência, pobre coitado, só podia estar
ficando louco. Enquanto caminhava, lembrou das brincadeiras com o velho
caminhão de bombeiros e da sensação de salvar o urso da irmã das chamas
invisíveis que tomavam conta do prédio em forma de cadeira. Por um instante
sentiu raiva de si mesmo por não ter tido coragem de seguir seus princípios.
Fora engolido pelas imposições do cotidiano. Em qual ponto se perdeu? Ficou tão
envolto em pensamentos inundados por lamentações que não viu que uma moça
distraída ao celular vinha em sua direção. Os dois se esbarram e o celular dela
foi ao chão assim como ela. Prontamente ele a resgatou do chão, bem como o
aparelho celular trincado no canto superior.
-
Desculpe.
-
Não, não. Eu que peço desculpa. Estava tão distraída no celular que esqueci de
olhar para frente.
- Eu
também estava perdido em meus pensamentos. Você está bem?
-
Sim, sim. Obrigada! Então, tá. Até!
-
Até!
Virou-se envergonhado ainda pelo
choque quando lembrou. Não podia ser coincidência. Era mais que isso. Será que
não era a tal de essência? Virou-se
imediatamente. Podia ser o amor da sua vida. Viu ela virando a esquina, decidiu
correr, precisava alcançá-la. Ela olhou de relance para trás, apertou o passo
repentinamente. Ele fez sinal para ela esperar, mas, ao contrário, ela começou
a correr. Abordou um policial, ele parou repentinamente. O que havia dado nele?
Correr atrás de uma desconhecida na rua. O policial fez sinal para que esperasse,
será que pensava que ele era um tarado? Decidiu fugir, correu em direção a uma
casa, invadiu o terreno e lá assistiu o policial passar na direção oposta.
Enquanto o medo inundava seus pensamentos, lembrou do amigo e da história da
essência. Sentiu muita raiva, interrompida por um rosnado feroz a um metro de
distância. Um cachorro enorme prepara o bote, odiava cachorros. No fundo sabia
que o que aconteceria não seria maldade do cachorro, ele era pura essência.
O amigo?
Encontrou o amor de sua vida, escreveu um livro sobre sua
teoria e ganhou muito dinheiro. Ele queria trabalhar em um circo.