segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Como arroios

Como arroios

Ao longo da vida perdemos inúmeras coisas. Perdemos amigos, contato com parentes, guarda-chuvas, ônibus, horário do serviço, a aula, fumantes perdem isqueiros, nossos pais, enfim, a perda faz parte de nossas vidas. Cada pessoa sabe a perda que mais lhe marca, dói, machuca. Particularmente, para mim uma das perdas mais marcantes é o olhar virgem, despido, recém-descoberto da infância. O tempo é impiedoso e machuca os passageiros de suas corredeiras. E inevitavelmente os muda.
Otto Lara Rezende já falou sobre a mágica que é ver as coisas como se fosse a primeira vez. Mas não apenas isso, fala como deixamos esse olhar desbravador no passado para utilizarmos um olhar cirúrgico e automático. Passamos a olhar o mundo com uma visão viciada, cansada das imagens do mundo.
O mundo na infância é mágico, novo, vibrante. Na verdade, são nossos olhares que eram especiais. Olhávamos o mundo como desbravadores, aventureiros em um mundo estranho e aberto. Podíamos ser tudo o que desejávamos, a trajetória era longa, e teríamos tempo de correr atrás dos sonhos. Mas a trajetória encurta, o tempo acelera, e inúmeros objetivos acabam negligenciados.
É aí que o mundo fica menos colorido. O pai deixa de ser herói para ser um homem de carne e osso. O bombeiro não é imortal, pelo contrário, é mortal, ganha pouco, faz greve em busca de melhores condições para trabalhar. O professor não sabe todas as coisas. A chuva não é a lágrima de Deus. Invariavelmente não nos tornamos aquilo que idealizávamos.
“Que pena me dão os arroios, os inocentes arroios...” diz Mário Quintana comparando arroios a crianças e rios a adultos. É da saudade que vivemos ao lembrar o mundo como era antes de o conhecermos. A vida, antes uma porta com um sem número de possibilidades, estreita a olhos vistos. E quando menos notamos, o que mais queremos é sermos “arroios” novamente. Cansados de sermos rios.


Jeferson Luis de Carvalho

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