sexta-feira, 26 de outubro de 2012


                
A noite em que um país parou

Fim de Tarde. Pessoas retornam para suas residências como outro dia qualquer. Estranhamente, o sempre caótico trânsito do crepúsculo (sem analogia ao vampiro), está mais nervoso do que de costume. Como pequenas formigas mecanizadas, os carros formam longas filas elétricas. Buzinas, xingamentos, ligações para casa, ligações para o serviço, o apogeu do mundo informatizado. Essa cena foi reproduzida incansavelmente por uma emissora de televisão no ultimo dia 19 de outubro. Dia do último capítulo da novela Avenida Brasil.
            A simpatia por parte do grande público  para com as telenovelas é natural. Um enredo simples, que permite que você entre em qualquer momento em contato com ele sem que perca sua essência. Um final pragmático, o bem vence o mal, ninguém que seja “bonzinho” acaba sozinho e isolado. Há uma correlação entre o que você faz e o que você recebe. Seja bom, e no fim você será recompensado, seja ruim e o castigo não tardará. O amor surgirá onde você menos esperar, portanto não tenha medo de não conseguir casar durante o transcorrer do enredo, no fim você encontrará sua alma gêmea. E sim, nascerão gêmeos, e vocês serão felizes para sempre.
            O insolúvel incomoda. Somos criados para não pensarmos sobre. É azul ou vermelho. Preto ou branco. Bem ou mal. Não estamos preparados para o “não sei”. Imploramos por respostas e soluções, seguimos a premissa de que uma pergunta pressupõe uma resposta e não uma nova pergunta. Em salas de aula, os alunos esperam por respostas objetivas, sofrendo rupturas duríssimas quando se deparam com o mundo subjetivo. Hoje a Literatura sofre com essa procura veemente do senso comum. Machado de Assis não fornece as respostas que dele se espera, Moacyr Scliar igualmente, assim como tantos outros, que ao invés de respostas fornecem mais perguntas a serem respondidas.
            É dessa necessidade que bebe as telenovelas e seus enredos recheados de “respostas e soluções”. Retrato da vida real? Vida de quem? Será que todos os brasileiros honestos e trabalhadores encontrarão a felicidade? Pessoas desonestas e inescrupulosas encontram a “punição”? Dificilmente. Para a grande maioria da população brasileira a repostas para essas perguntas é um não tão grande quanto o mau caráter de Santiago. Mas então, como as pessoas insistem em afirmar que veem nas novelas o retrato de sua vida? Uma das explicações seria a necessidade de existência de um mundo justo, um retrato positivo da realidade. Onde primeiramente se quantifica as mazelas da realidade de maneira exponencial, justamente para que a redenção seja épica. Em outras palavras, a vida é ruim, muito ruim, mas no final tudo dará certo. A outra explicação se dá pelo grandioso poder da mídia. Ela opera com seus braços gigantescos e invade a mente e a vontade de milhões. Inserções de hora em hora na vida dos telespectadores, nos mais variados programas, revalidando o processo de verossimilhança (realidade). Um gari da novela aparece em um documentário sobre os garis da realidade, uma cozinheira da novela vai a um programa de culinária em outro horário, um jogador de futebol da novela vai com repórteres a um campo de futebol real.  Enfim, a emissora, dissemina nos mais variados campos a telenovela. A telenovela deixa de existir apenas no intervalo de uma hora no dia, para fazer parte do dia do telespectador. Esse fenômeno se verificou na semana final, onde chamadas em diversos programas se voltavam para o capítulo final. É a mais perfeita utilização do poder midiático. Desse ponto de vista, há como não parar o Brasil um fato tão divulgado?
            Essa realidade reforça a procura de repostas prontas, reforça “o não pensar”. E isso se reflete em inúmeros casos da vida cotidiana, vide a política, em que o foco de campanha dos candidatos de hoje, é fornecer respostas sem se preocupar com o como fazer. Romper esse pragmatismo é um desafio grandioso demais em um mundo dinâmico e dominado pelos meios de comunicação de grande abrangência. Implantar o desejo de relativizar algo, pensar sobre, problematizar, é requisito básico para uma nação evoluir de maneira consistente. Como fazer? Pelo menos eu, não tenho a resposta.

Jeferson Luis de Carvalho