quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Feliz Ano Novo

               E 2015 chega ao fim. Ano terrível, alguém foi demitido de seu emprego e está tentando se reerguer economicamente, culpa desse ano maldito, apesar de inúmeras pessoas perderem seus postos de trabalho constantemente; alguém, mais um ano, restou solitário esperando o amor que não chega, provando que a sua vida é sem sentido, apesar de todos nascermos sozinhos e termos uma vida inteira pela frente repleta de possibilidades; alguém perdeu um ente querido, um artista preferido ou qualquer pessoa importante para sua vida, uma lástima inaceitável, apesar de sabermos que as pessoas, inclusive eu e você, fatalmente morrem; entre tantas outras infelicidades.
                A vida não é uma trilha contínua e programada. Não é boa nem ruim, não possui uma pré-disposição para a maldade. Por isso, se pudesse desejar algo para o ano que se inicia, seria paz. Não a paz mundial, apesar de adorar a ideia, sei não ser possível, refiro-me à paz de encarar o que vem pela frente de acordo com a intensidade que a situação pede. Que as dificuldades que aparecerão, elas vão aparecer, possam ser vivenciadas, sim, precisamos vivenciá-las, da melhor maneira possível. Desejo que as dificuldades não sejam suficientes para fazer eu esmorecer ou desistir de aproveitar cada segundo do ano que chega. Que não esqueça o ano que finda, mas, sim, use-o como parâmetro, seja para coisas boas ou para ruins.
                Desejo, antes de mais nada, que em momento algum, durante o ano de 2016, esqueça que o melhor de 2016 será estar vivo.


Um feliz Ano Novo a todos!!!

domingo, 27 de dezembro de 2015

O marinheiro e a sereia


                O navio interrompia o marasmo azul separando as águas com um ímpeto invejável impulsionado pelo vento que empurrava com braços fortes as velas que se inflavam, transformando a embarcação em um imenso cisne que deslizava em direção ao seu destino. Os homens trabalhavam de forma constante e ininterrupta, alternando entre as rotinas que se apresentavam, um tanto já ressentidos da ausência de novidades. Os ânimos, após três semanas ao mar, estavam difíceis e sensíveis a qualquer tipo de estímulo negativo, não raro, uma briga irradiava nos mais variados pontos do navio, tendo que ser apartada de maneira ríspida e, por vezes, violenta pelo contramestre.
                E assim a barco ia em direção do sol que surgia e apresentava seus primeiros raios, que transformavam o antes azul incólume em uma profusão de cores. Entretanto, não só para o sol apontava a proa, distinguia-se ao longe um aglomerado de rochas que, em seu maior ponto, formavam uma pequena ilha habitada por albatrozes que recebiam a luz matutina em suas penas.
                Foi quando chegaram próximos que notaram uma presença a mais entre as aves, os cabelos cinzas caíam delicadamente ao redor dos olhos, como se contornassem o rosto que guardava seu maior tesouro. Seus olhos eram um misto de maldade, bondade, malícia e ingenuidade. Seu olhar era profundo e penetrante, e, antes que qualquer tripulante pudesse fazer algo para evitar, um pobre marinheiro jogou-se na água. O que se passou em sua cabeça, ninguém soube dizer, na verdade, hipnotizou-se pelo olhar, ignorou o fato de ela estar isolada em uma ilha de rocha em meio às aves, além disso, pouca atenção deu à cauda e às barbatanas, às quais culminavam o lindo corpo perfeitamente desenhado pela natureza com esmero e beleza incomparável. Mal dera as primeiras braçadas, uma névoa repentina se interpôs entre ele a embarcação, o seu mundo já não era mais o mesmo do restante dos marinheiros. Estava só diante de sua musa inspiradora.
                Com esforço, aproximou-se da moça que o olhava diretamente nos olhos sem desviar um minuto de atenção. Aquele olhar lhe embrulhava o estômago, deixava-o sem chão, fazia-o sentir desajeitado, exposto. Contudo, estranhamente, aquilo lhe fazia bem, aumentando o desejo de ali permanecer. E assim o fez, passou horas conversando com ela, e elas pareciam minutos, dada a afinidade que sentia ali. As horas passaram, viraram dias e, de repente, tornaram-se dias, semanas e, por fim, meses. Foi após um ciclo completo de estações, um encontrar-se de duas almas, que a sereia interrompeu o apogeu, alegando que o marinheiro tinha uma vida em terra, uma família, que ela, enquanto habitante dos mares, também possuía seus laços afetivos, portanto aquela relação não teria um futuro. O pobre homem, inebriado, tentou argumentar, mas sua voz se perdeu junto ao vento que empurrou sua pequena embarcação para a costa em um verão quente e úmido. Aportou com o corpo, mas não com a alma. Passou dois meses em casa, porém a sereia o perseguia em seus sonhos. Foi ao bar tentar afogar as mágoas. Sentou-se ao lado de seu companheiro de navegações, contudo, antes de relatar a sua história, o amigo informou-lhe que partiria novamente ao mar. Era a terceira vez em seis meses. O marinheiro surpreendeu-se com a postura do amigo, como passar tantas horas no mar sem o corpo reclamar o contato da terra? A reposta terminou com o restante da paz que guardava. O amigo estava enfeitiçado pela sereia, e o pior, passava dias sentado junto a rochas acompanhado da musa. Um sentimento novo irrompeu no peito do marinheiro, achava que havia estabelecido uma ligação mágica com a moça dos olhos mais penetrantes que conhecera. A verdade do amigo, de maneira sórdida e cruel, conseguira destruir o castelo que havia idealizado. Passou a lhe fazer companhia a sombra da rejeição.
Sem mais suportar, foi a procura da sereia. Na primeira expedição disponível, prontificou-se. Encontrou-a escorada nas rochas, os cabelos lindamente soltos, como sempre, estava linda e radiante. Conversaram por horas, ela não admitiu o acontecido com o amigo, apenas informou-lhe que depois que o conhecera, não conseguira mais enfeitiçar qualquer outro marinheiro, porém garantia que não poderia mais encontrá-lo. O marinheiro, desesperado, perguntou-lhe por que ela não havia feito o mesmo com seu amigo. A sereia mirou os olhos fixamente no marinheiro, estavam tristes, sofrendo. Antes dela virar a cabeça e lançar seus cabelos ao ar e mergulhar no lençol celeste sob eles, o pobre marujo vislumbrou uma lágrima escorrer em um daqueles olhos perfeitos.
Sozinho, desiludido, o marinheiro nunca mais voltou de espírito para o continente. Os dias passavam intercalados entre pensamentos com a sereia e as horas que passaram juntos, e com a imaginação dela passando momentos especiais com o amigo, momentos que negara para ele. A moça, por sua vez, nunca mais conseguira realizar aquilo que a natureza havia lhe destinado, nunca mais conseguira sentir ânimo com outro marinheiro, assim, abdicou do direito de subir a superfície e mergulhou para sempre para as profundezas dos mares.

                O marinheiro não conseguiu mais viver no continente. Em sua última viagem, nadou em direção as rochas para encontrar sua alma, que o aguardava sentada no mesmo ponto que anos antes ele encontrara a sereia. E mais uma vez juntos e, ao mesmo tempo, solitários, corpo e alma, puderam cantar seu lamento para o restante dos tempos.