terça-feira, 16 de abril de 2013

Meu amigo (des)conhecido


Meu amigo (des)conhecido

Era no ano de 2058 o mundo havia mudado. As pessoas não conversavam mais e sequer liam livros, porque eram proibidos, quer dizer, conversar até podiam, contudo livros em forma física nem pensar. Resumos e E-books tomaram conta do planeta terra. Mas faltava alguma coisa para aquela menina chamada Sofia.
Sofia era uma menina que tinha em torno de 12 anos e impressionava-se com as histórias contadas pelo seu pai. O pai tinha 46 e vivera em uma época totalmente diferente. Mas como nostalgia guardava alguns utensílios em uma caixa branca que ficava no porão.
Muitas vezes a menina perguntava:
- Pai eu posso abrir e olhar o que tem aquela caixa?
A resposta era sempre a mesma:
- Pode filha, mas provavelmente não encontrará nada semelhante com o que se tem hoje, porem mesmo na escuridão do porão uma certeza eu tenho, você encontrará a luz.
Mas como toda criança e suas curiosidades Sofia não se conteve. Um dia pela tarde cansada de ler somente os resumos que agora era o que se tinha, e podia ler, resolveu buscar na caixa um livro, esse objeto que seu pai tanto falava e canonizava.
O primeiro sentimento foi um frio na barriga. E se esse tal livro fosse bravo ou mordesse, ou sei lá, falasse coisas que ela não gostaria de ouvir. Porque em uma das conversas que escutara atrás da porta ouviu seu pai falando a um amigo que o verdadeiro livro era sabedor de tudo. Que encontrávamos em um livro conhecimento infindável.
O primeiro passo foi tenso, mas a vontade de olhar, tocar, conhecer esse objeto era muito, mas muito maior. Ao abrir a caixa deu uma gargalhada daquelas do fundo da alma, verdadeiras. Não tinha nada de mais, somente uma espécie de folhas envoltas por uma capa consistente, dura.
Pegou o na mão tirou o pó e ali estava o título, Fahrenheit 451, romance datado de 1953 que seu pai guardava como um verdadeiro tesouro. Ao abri-lo muitas letras juntas formando frases e o mais incrível de tudo não era touch screen. Encantada começou a ler a primeira página, o resumo como estava acostumada, entretanto nesse formato era uma frase mais incrível que a outra. O romance contava uma história longínqua em que os bombeiros ao invés de protegerem as casas do fogo queimavam livros. Impressionada, Sofia escuta uma voz. Assustada pergunta:
- Quem é?
Claro que era uma pergunta retórica, pois não queria respostas, porem o inevitável acontece. O livro ganha voz:
- Sou eu Ray Bradbury.
A menina tremula de medo pergunta:
- Quem?
- Eu Ray Bradbury o autor do livro que segura.
 - Você fala?
- Falar não, dou voz ao livro e ele faz muito mais que isso. Ensina, faz as pessoas chorarem, alegrar-se e possui muito conhecimento.
- Conte-me mais, por favor.
Claro. Eu escrevi esse livro no século passado, todavia usei apenas verossimilhança para mostrar, na verdade como as pessoas ficam alienadas sem livros.
- O que é verossimilhança e alienado? Pergunta Sofia.
- Não acredito. Com toda essa tecnologia ainda não sabe o que é verossimilhança e alienado. Bem, verossimilhança, posso dizer de uma maneira simples que é a proximidade com a realidade e alienado é estar sem estar, não saber, deixar-se levar.
- Ah tá.
Como dizia nunca pensei que essa era chegasse literalmente.
- O que é literalmente?
- Literalmente é concreto, real. Por favor, não pergunte mais, senão pararemos muitas vezes. Pela lógica entenderá. Como dizia, na minha história as pessoas não podiam ler porque era proibido e os bombeiros cassavam as pessoas e queimavam seus livros. Mas as pessoas que tinham sede de conhecimento me decoravam e fugiam criando cidades inteiras de pessoas livros.
- Como assim?
Sim, pessoas que eram reconhecidas por nomes de livros, pois haviam decorado determinada obra e recitavam para os demais cidadãos para que nunca se perdesse.
- Sério? Não acredito?
- Olha, não quero acabar a nossa conversa, mas não está na hora de carregar sua bateria?
- Não, eu não tenho bateria. Duro o tempo todo, uma vida toda.
- Que legal! Tá, mas como faço para passar para o próximo link?
- Não eu não tenho links tenho apenas essas folhas que você vê e para continuar basta molhar o dedo na língua, folhear e pronto, continuaremos.
- Ah tá. Vou continuar minha leitura. Posso fazer outra pergunta?
- Pode.
- Mas como é que você dura tanto tempo? Porque escreveu esse livro no século passado, se fosse como os livros em E-books que temos hoje que todos chamam de obra de arte não duraria um ano.
- Uma coisa posso dizer com segurança Sofia. Esses que são chamados de arte e não duram um ano, não são arte. Não passam, na verdade, de um amontoado de palavras que não inquieta, não deixa dúvidas e, por isso não são duradouros. Isso posso lhe provar com diversos exemplos que se encontrares outros admiradores como teu pai veras irmãos meus, inclusive muitos mais velhos. Agora eu posso te fazer uma pergunta?
- Porque vocês não criam cidades como a criada em minha história?
- A senhor Ray, não seriam possíveis, logo as autoridades ficariam sabendo, meus colegas também e eu além de ser presa me tornaria piada na escola. Porque a vontade deles, das autoridades, e que fiquemos assim, como o senhor disse antes, aquela palavra; alienados. 
- Mas como assim? Vocês não leem na escola?
- Não, quer dizer, até lemos, porem somente resumos, temos muitas coisas para olhar e escutar e não temos mais paciência. E para que ler um montão de horas se em poucos minutos conseguimos saber o que vocês querem dizer nos resumos.
- Aí é que está o problema. O verdadeiro livro, arte na sua essência não nos dá respostas. Ele nos deixa com vontade de querer mais como te disse antes.
- Como sem respostas? Sem respostas não tem graça.
- Tente que você vai ver a magia que é Sofia.
- Acho que está na hora de eu sair aqui do porão. Como faço para saber onde parei de ler você, tenho que copiar, colar, fazer download ou colocar em meus favoritos?
- Não, basta pegar uma folha estreita que está no fundo da caixa.
- Como se chama essa folha?
- Marca páginas. E amanhã você volta?
- Com certeza. Até amanhã
- Foi um prazer Sofia, estarei esperando você.
A menina hipnotizada sobe para sala onde está seu pai sentado, olhando para um quadro, pensando alto, como que se conversasse sozinho. A filha eufórica o indaga.
- Pai, pai, eu fui lá embaixo na sua caixa peguei um livro e ele falou comigo. Que impressionante pai os livros falam o senhor tinha razão, os livros são incríveis.
- Sim, acredito, pois tem toda a razão. Eu tinha absoluta certeza de que um dia encontraria a porta de saída de sua caverna e libertar-se-ia da condição de escuridão de seu conhecimento. Agora já sabe filha o porão estará sempre aberto, volte quando quiser.

Rodrigo Bartz

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