Era
corriqueiro. Fim de tarde, a fome batia. Em casa, era pão com alguma coisa,
menos açúcar e leite condensado - por algum motivo que eu, à época,
desconhecia. Já com meus avós, eram pedaços de bolo acompanhados de bolachas em
sacos coloridos e lindos. Portanto o único lugar de um jovem privado dos doces
da vida era ao lado do avô, tomando um bom e velho chimarrão. E lá surgia o
pretérito perfeito: “Na minha época, quando tinha meus 18 anos, homem que era
homem usava fatiota”; “na minha época de escola, precisava caminhar um bom
pedaço até a escola, não existia asfalto ou rua calçada, era no chão mesmo” ou “televisão
na minha época, a gente se preparava para assistir, não assistia simplesmente,
não tinha cor e demorava um pouquinho para ligar até a válvula esquentar”. Eu
acenava positivamente enquanto escondia a bolacha na boca para poder morder o
pedaço de bolo amanteigado sem ser repreendido.
Com igual recorrência, e por vezes
na mesma medida, meu pai usava o pretérito. Contudo eu, “contemporâneo do mundo”,
usava e abusava do presente: “Adoro o cheiro de álcool da prova”, “Super Nintendo
é muito real, um jogo fantástico”, “o CD veio para revolucionar de vez a
música, só não substituirá a fita cassete porque não grava”. Ledo engano.
Hoje,
assistimos incrédulos a uma invasão do pretérito imperfeito, que subjuga o
presente sem dó nem piedade, transformando o novo em velho em questões de meses
ou, em alguns casos, dias. Pobre alma que adquiriu o Discman, substituto
legítimo do walkman; que adquiriu, para felicidade da família, o vídeo cassete
de 7 cabeças; ou a “revolucionária agenda eletrônica”; não contava com a
velocidade das novidades.
Nunca
se usou tanto o pretérito imperfeito na história. Isso é irrefutável. Cada vez
mais, o pretérito imperfeito vem sendo obrigatório para um maior número de
pessoas que, sem possibilidades de recusa, acabam o usando, mesmo sem conhecer
a nomenclatura exposta exaustivamente em aulas expositivas do 6º ano do Fundamental
ao saudoso 3º ano do Ensino Médio. Não há escolha. Antes artigo de luxo guardado
àqueles que possuíam as alcunhas de tios, pais e avôs, agora circula livremente
na boca dos recém iniciados.
Está na hora de criarmos um
novo tempo verbal: o tempo dos velhos que ainda são jovens. Tempo verbal que dê
conta de explicar que inacreditáveis 20 anos atrás o celular era artigo de luxo
e o computador visitava pouquíssimas residências; que a internet não voava e
visualizar uma imagem era um exercício de paciência e determinação; que os disquetes
– como explicar o que eram e como funcionavam? - emperravam constantemente, que
o papel carbono era um sonho, que mobilidade tecnológica significava possuir um
televisor de 5” preto e branco que você podia ligar ao isqueiro do carro.
Infelizmente,
meu avô não está mais na frente de casa sentado em sua cadeira com seu kit de
chimarrão, deve estar tomando chimarrão em um lugar desconhecido inundado de
pretéritos perfeitos e imperfeitos. Contudo, se ainda aqui estivesse, e eu não
completasse meus dias de maneira alucinada com horas e mais horas de aulas,
estaríamos os dois, comendo bolachas e bolos amanteigados repletos de
pretérito.
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