domingo, 6 de março de 2016

Difícil mesmo

Quando era pequeno, na fase em que ainda não podia assistir televisão após as 22 horas sobre pena de uma reprimenda paternal, difícil mesmo era cavar uma vaga na equipe de futebol da sala de aula e fazer prova de matemática com aquelas contas com x, a, b, c e outras infinidades de letras. Com passar do tempo, descobri que essas coisas eram difíceis, mas os problemas crescem junto com você, mudam, transformam-se e resumem-se em uma única coisa: conviver com as ideias desfeitas.
            Desfazer uma ideia demanda um esforço monumental, causa sofrimento e, por vezes, uma pequena tristeza. Vivemos uma escravidão por vontade própria, corporificamos as ideias em nossas mentes, criamos expectativas sobre pessoas, situações e momentos. Um pai, ao ter o seu filho, idealiza uma vida inteira, tanto sua quanto ao de seu descendente; um trabalhador, ao iniciar em um novo emprego, prevê toda uma gama de possibilidades dentro da empresa; um casal, em início de relacionamento, elabora um mapa de previsão do futuro par: como o companheiro ou companheira agirá diante de uma determinada situação, quais palavras usará ao declarar o possível sentimento amoroso que sente, como resolverá um desentendimento. Criamos expectativas a respeito da vida, sobre nossa trajetória, do nascimento até o último suspiro. Entretanto, constantemente, somos confrontados com a realidade e sua incrível capacidade de diferenciar-se de nossas previsões. E aí, surge o problema.
            Difícil mesmo é aceitar que as coisas não são, ou não serão, da maneira que você desenhou em seu protótipo mental. É saber que a janta programada incessantemente em sua cabeça por horas a fio não sairá exatamente como o esperado - um prato ficará um tempo demasiado no forno, um dos presentes passará mal, a louça especialmente reservada escorregará prontamente da mão da solícita amiga que se ofereceu a lavar a louça. É saber que o seu esforço profissional poderá não receber os louvores e saudações imaginados durante a elaboração.
Difícil mesmo é saber que seus planos de vida não serão nada pontuais e o ponto da vida que você imaginava estar ocupando aos 35 anos pode chegar somente anos mais tardes ou, com a mesma probabilidade, nem mesmo chegar. É saber, e isso é mais difícil ainda, que a pessoa que você imaginava não existe - que o companheiro pode passar bom tempo de seu domingo em frente à televisão assistindo a 22 homens correndo atrás de uma bola, ignorando o sol e a linda tarde; ou que a companheira não dá a mínima para esse futebol. É saber que a pessoa ao seu lado, em um desses absurdos da natureza, não pensa e não compartilha dos mesmos ideias que os seus, é saber que ela possui uma história e sonhos próprios.
            Difícil mesmo é lembrar diariamente a necessidade de relativizar e aceitar a imperfeição do mundo, desde as pessoas aos planos idealizados. Contudo, antes de qualquer coisa, é ter a consciência das imperfeições em nossos planos e, principalmente, em nós mesmos. Quem sabe não seja essa a chave para a tranquilidade e, consequentemente, da felicidade.






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