- Fim?
- O que foi?
- O livro.
- O que tem ele?
- Não tem fim?
- Claro que tem.
- Onde?
- No final do livro, meu amor.
- Mas eu estou no final.
- E?
- Não tem nada, a história parou do nada.
- Daqui esse livro, deixa eu ver...está aqui,
“acordou religiosamente às 6 para mais um dia, de mais um ano. Era a vida
retomando seu lugar.”
- Então, cadê o final?
- Está aqui, esse é o final.
- Não! Eu não fiquei até agora lendo para isso.
- Haha, o que você estava esperando?
- Uma morte, um crime, um porquê, qualquer
coisa.
- Mas amor, é exatamente por esse motivo que
isso é literatura, uma obra de arte. Não é feita para responder, mas sim para
criar problemas, fazer com que o leitor saia do lugar comum, sem respostas
prontas.
- E eu lá tô interessado nisso? Eu não pedi um
livro bom? Isso aqui não é livro. Quanto tempo perdido.
- O que você faria no lugar?
- Eu?
- É, você está aí, reclamando, contestando. O
que faria melhor?
- Sei lá. Terminaria o livro. Faria ele
abandonar o serviço; ora, se não está gostando, troca. Simples assim.
- Não é você que vive reclamando da sua função?
- Não, não, não. Adoro o que eu faço, apenas
reclamo da falta de reconhecimento que recebo. Se fizesse o que faço em
qualquer outro lugar seria rei, você sabe disso.
- Então por que não sai de lá?
- Está me comparando com o livro?
- Não, apenas lhe questionando. Por que não sai
de lá?
- Estabilidade, salário bom perto do que pagam
por aí.
- Hum...
- Hum, o quê?
- Nada.
- Fez a boca.
- Que boca?
- Boca me desdenhando.
- Fiz nada.
- Fez sim. Tá pensando: ele está falando do
livro, mas faz igual.
- Não disse nada, meu querido.
- Não disse, mas quis dizer. Pois fique
sabendo, não aceitaria viver dessa maneira. Se estivesse infeliz com o emprego,
casamento e família, mudava tudo e...o que foi agora?
- Nada.
- Você não faria o mesmo?
- Não sei, não tenho tanta certeza quanto você.
- Você é feliz no seu emprego, não é?
- Sim, faço o que gosto.
- Ok, e se não gostasse?
- Nunca faria algo que não gostasse.
- Supondo.
- Não posso supor algo que não faria.
- Você também não facilita.
- Facilitar o quê, homem?
- A conversa.
- Acho que você gostou do livro e não sabe.
- Gostar? Fiquei três semanas lendo um livro
que acaba sem acabar. Como vou gostar? Gosto de coisas práticas, verdade sobre
verdade. Você conseguiria ficar comigo caso não fosse feliz? Que cara foi essa?
- Lá vem você de novo.
- Que cara foi essa, pode falar. Você não é
feliz comigo?
- Estou cansada, amor. Tenho que trabalhar
amanhã. Boa noite, te amo!
- Não vai responder?
- Boa noite! Amanhã, juro que compro outro
livro para você, com final bonitinho e tudo.
A
mulher dormiu sob protestos do marido, como sempre, às 23:30 para mais uma
noite, de mais um ano. Era a noite retomando seu lugar.
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