sexta-feira, 17 de julho de 2015

Conversa pré-nupcial 3



            Uma biblioteca. Uma estante. Um livro. Ela. Ele.
- Vai retirar?
- O quê?
- O livro, vai retirá-lo?
- Você o quer?
- Quero, mas não se você precisar. Afinal, chegou primeiro.
- Não, tudo bem, eu me viro. Pode ficar.
- Não, não. Eu peço desculpa, às vezes sou um tanto direta. Faço questão que fique com ele.
- Mas não preciso tanto assim, pode ficar. Cursa o quê?
- Direito.
- E o que Direito faz em Literaturas?
- Estava fazendo a mesma pergunta a mim mesma. Trabalho da disciplina, ler uma obra.
- E escolheu Rilke?
- O que tem, é ruim?
- Não, é muito bom.
- Então, qual o problema?
- Sei lá, nenhum. É que, Rilke...
- Você acha que não posso ler, Rilke?
- Não é isso, apenas que...
- Machista! Me dá o livro!
- Ei, eu não disse nesse sentido, apenas que grande parte dos estudantes da minha área não o leram.
- E eu só posso ler o que eles já leram? O que você já leu?
- Não, você está desvirtuando as coisas.
- O livro, me dá!
- Pega, é todo seu...ignorante!
- Babaca!
            Separaram-se com a certeza de terem encontrado seus opostos. Ele nunca mais leu Rilke, mas passou a frequentar a ala dos poetas alemães com assiduidade dos mais devotados leitores. Ela não finalizou o trabalho proposto, ao invés disso, trocou de curso e partiu para outra tarefa maior, e dessa para outra. Os versos entravam como facas diretamente em seu coração, sentia-os vivos, formigando dentro de si. Eles reverberavam internamente, como uma orquestra espalhando música por todo seu corpo. Apaixonara-se. Oficializou o amor, tornou-o público com a especialização na área poética. Transformou o quarto da casa em um pequeno altar e recanto dos maiores poetas germânicos.
Ele, diante disso, mudou de biblioteca, abandonou a da Universidade e solicitou asilo na biblioteca da casa de número 56 na Travessa do Céu. Foi aceito. Casou com Ela e os grandes poetas alemães em uma primavera, vez ou outra ainda se ouvem as palavras “Machista” e “ignorante”. Ele formado em Direito e Letras, Ela doutorando em Literatura Alemã.
 Ela sempre lê Rilke para ele antes de dormir. Ele continua sem compreendê-lo na essência, mas, cada vez mais, conclui que os versos ficam lindos na voz dela. Ama Rilke. Duas vidas. Uma casa. Um quarto. Um poeta. Ele. Ela.

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