Uma biblioteca. Uma estante. Um
livro. Ela. Ele.
-
Vai retirar?
-
O quê?
-
O livro, vai retirá-lo?
-
Você o quer?
-
Quero, mas não se você precisar. Afinal, chegou primeiro.
-
Não, tudo bem, eu me viro. Pode ficar.
-
Não, não. Eu peço desculpa, às vezes sou um tanto direta. Faço questão que
fique com ele.
-
Mas não preciso tanto assim, pode ficar. Cursa o quê?
-
Direito.
-
E o que Direito faz em Literaturas?
-
Estava fazendo a mesma pergunta a mim mesma. Trabalho da disciplina, ler uma
obra.
-
E escolheu Rilke?
-
O que tem, é ruim?
-
Não, é muito bom.
-
Então, qual o problema?
-
Sei lá, nenhum. É que, Rilke...
-
Você acha que não posso ler, Rilke?
-
Não é isso, apenas que...
-
Machista! Me dá o livro!
-
Ei, eu não disse nesse sentido, apenas que grande parte dos estudantes da minha
área não o leram.
-
E eu só posso ler o que eles já leram? O que você já leu?
-
Não, você está desvirtuando as coisas.
-
O livro, me dá!
-
Pega, é todo seu...ignorante!
-
Babaca!
Separaram-se com a certeza de terem
encontrado seus opostos. Ele nunca mais leu Rilke, mas passou a frequentar a
ala dos poetas alemães com assiduidade dos mais devotados leitores. Ela não
finalizou o trabalho proposto, ao invés disso, trocou de curso e partiu para
outra tarefa maior, e dessa para outra. Os versos entravam como facas
diretamente em seu coração, sentia-os vivos, formigando dentro de si. Eles
reverberavam internamente, como uma orquestra espalhando música por todo seu
corpo. Apaixonara-se. Oficializou o amor, tornou-o público com a especialização
na área poética. Transformou o quarto da casa em um pequeno altar e recanto dos
maiores poetas germânicos.
Ele, diante disso, mudou de biblioteca, abandonou
a da Universidade e solicitou asilo na biblioteca da casa de número 56 na
Travessa do Céu. Foi aceito. Casou com Ela e os grandes poetas alemães em uma
primavera, vez ou outra ainda se ouvem as palavras “Machista” e “ignorante”.
Ele formado em Direito e Letras, Ela doutorando em Literatura Alemã.
Ela
sempre lê Rilke para ele antes de dormir. Ele continua sem compreendê-lo na essência, mas,
cada vez mais, conclui que os versos ficam lindos na voz dela. Ama Rilke. Duas
vidas. Uma casa. Um quarto. Um poeta. Ele. Ela.
Nenhum comentário:
Postar um comentário