segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Ponto de vista

Ponto de vista

Jeferson Luis de Carvalho 

- Olha, olha!
                Falou apontando para uma loira estonteante que desfilava pelo salão.
- Essa deveria ser presa.
- Nem fala, isso faz até mal.
- Olha, viu isso? Tava me cuidando.
- Mentira.
- Juro.
- Tava nada.
- Eu vou lá.
- Vai nada.
- Quer apostar?
- Cinquentinha.
- Feito. Fui.
- Duvido.
- Vai passar reto.
- Olha lá! Ele tá falando com ela mesmo.
- Eu não acredito.
- Ela tá rindo.
- Se não fosse casado, era minha.
- Era nada.
- Era sim.
- Para começar, você nem coragem de levantar dessa mesa teria.
- Não me leva mal, Jorginho, mas concordo com o Jurandir, você não teria nem coragem de dar oi.
- Eu? Você não me conheceu solteiro. Era o terror da mulherada.
- Era nada, não pegava nem gripe.
- E outra coisa, tive coragem para ter três filhos, não vou ter coragem de falar com uma mulher?
Jurandir tomou um grande gole de sua cerveja e balançou a cabeça de forma afirmativa. Carlos apenas abaixou a cabeça de forma solene. Eram todos casados, com seus filhos e compromissos dia a dia.
- Verdade! Sabe que pensei uma coisa agora? Ser solteiro é mamão com açúcar, casamento é para os fortes. Aquele que consegue suportar a rotina do casamento é guerreiro.
- Guerreiro? É herói. Trabalho, chefe, contas, mulher, filhos. Isso é muito para uma vida só.
- Com certeza, é...olha lá! Lá se foram os meus cinquentas.
- Por quê?
- Olha o jeito que estão dançando.
- O que tem?
- Está no papo, conheço dessas coisas.
- Sabe nada.
- Sei sim.
- O que você sabe é dançar Galinha Pintadinha.
- É...isso também. Quem foi que inventou esses DVD’s?
- Bah, eu adoro. Coloco e esqueço. O Marquinhos fica lá na frente, dançando e dançando. E eu, posso fazer minhas coisas.
- Eu não aguento mais. Dia desses, deixei de assistir um jogo do campeonato inglês porque o Juliano queria assistir essa coisa.
- Qual jogo? Do Manchester?
- Não, era segunda divisão.
- Segunda divisão? Mas então o Juliano estava certo.
- Segunda divisão inglesa é demais Jorginho.
- Tem bons jogos. Eu gosto. Putz.
- O que foi?
- Ele acabou de cochichar no ouvido dela.
- E?
- Ela riu despreocupada. Não tem mais volta.
- De onde você tirou isso?
- Experiência.
- Essa é boa.
- Vocês dois estão querendo me derrubar.
- Falar a verdade não é derrubar ninguém.
- Estão vendo aquela morena?
- Qual?
- Ali, perto do bar.
- Virge, que coisa mais linda.
- Pois então, não para de olhar para cá.
- Deve estar intrigada com sua cara de bobo para ela.
- Ah, se eu estivesse sozinho.
- Você está sozinho, vai lá.
- Vou mesmo.
- Cinquentinha.
- Vou mesmo.
- Vai aonde?
A voz feminina quebrou a discussão masculina da mesa. Os três, como crianças pegas roubando brigadeiro antes da festa, se entreolharam.
- Onde está o Ricardo?
- Adivinha.
- Ricardo não toma jeito.
- Solteiro, o que você queria? E que demora foi essa no banheiro?
- Estava lotado. E que cobrança é essa Jorginho? Tá pensando o quê?
                Os outros riram disfarçadamente. Milena era geniosa e extremamente dura. Jorginho, era apenas sorrisos. Combinavam. Já estavam há mais de quatro horas na festa e o cansaço começou a bater.
- Vamos embora, amor?
- Já?
- Sim, temos que pegar as crianças na mãe.
- Tá certo.
- Nós também vamos indo.
- Então vamos todos.
                Na saída, Jorginho acenou para Ricardinho que confundia-se com a misteriosa loira de tão juntos que estavam. Ficou imaginando o que faria se estivesse sozinho naquela festa. Imaginou-se dando oi para a morena. Bebendo até cair com Ricardinho e a loira. Os quatro saírem juntos da festa para uma saideira. Entrou no carro, olhou para Milena. A esposa era muito bonita ainda, mesmo após dois filhos, tinha sorte.
- Vamos dar uma esticadinha?
- Ué? Tá doente?
- Por quê?
- E as crianças?
- Como se minha mãe fosse se importar de ficar a noite toda com elas.
                Não foram para casa. Passaram a noite fora. No outro dia, pegaram as crianças, Jorginho fez um churrasco, as crianças brigaram, Milena gritou para Jorginho dar jeito, ele disse que estava fazendo o almoço, ela retrucou afirmando que ele estava fazendo o churrasco e ela “apenas” o arroz, a maionese, a sobremesa e ainda lavaria a louça. Ele pediu para as crianças pararem. Após dez minutos tentando sem sucesso acalmar os ânimos, tirou do jogo de futebol e pegou o DVD da Galinha Pintadinha. À noite, a garganta reclamou da noite anterior. Milena lhe mandou para a cama, fez um chá e aos cafunés fez o marido dormir.  
                Ricardinho avistou a turma saindo da festa, mas não queria abandonar a companhia. Acenou de longe para Jorginho. Pobre Jorginho, antes tão alegre, agora indo para casa às 3 da manhã. Antigamente, não saiam antes das 7. A loira já estava a quinze minutos falando com uma amiga, queria chama-la, mas não lembrava o nome. Meu Deus, como era linda. Era um sujeito de sorte. Saíram de lá às 4:20, ele chegou em casa às 8 h. Caiu na cama. Acordou às 2 da tarde. Às 3, pediu um lanche. Que noite, que mulher, como era mesmo o nome dela? Pensou em sair durante a tarde, não teve ânimo. Sentiu a garganta, caiu de cama. Queria alguém para lhe cuidar, quem sabe assistir um filme. Onde enfiou o telefone dela? Lembrou, não adianta ter o número, não lembrava o nome dela. Só conseguiu dormir às 3 da manhã.

                Na segunda-feira, todos acordaram muito cedo. A semana iniciava novamente. A festa havia sido ótima.

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