segunda-feira, 25 de abril de 2016

Em extinção

            Reclama-se de tudo: do imposto, do vizinho, do tempo, da televisão, do trabalho, da saúde, do estudo, da violência – reclamarão, alguns, até desse texto – contudo só não se reclama de uma coisa: da falta de abraços.
            Criamos uma geração de contatos físicos limitados a demonstrações de desejos e interesses, perdeu-se - não que tivéssemos muito antes - o simples gesto inocente do afago sem pretensões imediatas ou recompensas. Somos órfãos do abraço de mãe, do abraço desapegado e sem ambição. Transferimos para ele a exigência, que já carregamos no dia a dia, do realizar por um motivo; trabalhamos pelo salário do fim do mês, abandonamos sonhos e desejos em prol de um estilo de vida que proporcione objetivos concretos e precificados, poucos podem dizer que trabalham porque precisam daquilo para viver bem consigo mesmo, independente do que receba em troca. Felizardo aquele que trabalha o mês para suprir uma satisfação pessoal e é surpreendido por ainda receber para fazê-lo. Estamos engaiolados em nossa própria lógica, exposta desde o início, já na época de escola, e evidente nas perguntas que se repetiam: vale nota? Vai cair na prova? Saímos da escola e permanecemos na rotina do cair na prova.
            Abrimos mão, dessa forma, das dádivas mais simples, dos gestos mais básicos e importantes. Negligenciamos o poder e abrangência de um abraço, ignoramos o quão salvador e renovador ele pode ser. Refutamos essa expressão, erguemos muros invisíveis ao nosso redor, colocamos o outro na posição de atacante, recolhemo-nos em nossa Troia existencial, repelindo e desencorajando qualquer “ataque”. O infeliz nessa batalha é que não há possibilidade do surgimento de um Ulisses e seu cavalo de madeira, o abraço virou, assim como todas as outras coisas, um meio para um fim. Homem abraçando homem? Estranho, alguma coisa há. Homem abraçando mulher? Com certeza, estão juntos. Mulher abraçando mulher? Coisas desse mundo moderno; sendo todas essas respostas acompanhadas daquele tsc, tsc, tsc...característico.
            Quantos abraços você ganhou ou deu hoje? Não qualquer abraço. Refiro-me àquele abraço de urso, abraço sem medo, sem receio. Abraço que envolve o outro com força, que vem acompanhado de um leve aperto na coluna do abraçado, que une as duas mãos do “abraçante”, abraço que lembra café quente, recém passado, em uma tarde de inverno na frente da lareira. O abraço de hoje é como café passado de um dia para o outro, não esquenta o espírito e não é reconfortante. Estamos ocupados demais para abraçarmos e sermos abraçados. O abraço gostoso, aquele que acalma e anima, infelizmente, está em extinção, sem nenhum programa de proteção em andamento ou perspectiva de sobrevida, existindo apenas quando necessário. Por enquanto.

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