sexta-feira, 3 de junho de 2016

Campinho de areia

            Dia desses, em mais uma aula de interpretação textual, estava lendo com os alunos o texto Futebol de rua de Luis Fernando Verissimo. No meio da leitura, bateu uma saudade daqueles compromissos inadiáveis no campo da vila, com as goleiras de chinelo ou, quando a preparação prévia havia ocorrido, de postes de madeira. Mais uma das inúmeras saudades que sentimos ao longo da vida.
            Saudade é presença constante, vigia nossos passos, visita nossos sonhos, guia nossa trajetória. É com a saudade que deixamos nossos mais caros sentimentos, é ela que guarnece tudo que consideramos de mais valioso na vida, os tesouros que acumulamos guardamos sob sua tutela, e para vê-los novamente precisamos evocá-la. Ela suporta o peso de uma vida nos ombros, desobriga-nos do fardo constante de carregarmos a tudo que nos foi, é e será importante.
            Entretanto, em determinadas ocasiões, nem mesmo ela, com toda a sua força, consegue suportar o peso, transfere, sem consentimento algum, um pouco do que carrega para seu antigo dono. Por vezes, através de uma fragrância, outras vezes por uma música, surge a imagem nítida do que foi, a sensação, o sentimento, tudo revivido através dos olhos do que já fomos. A saudade é uma espécie de portadora de tempos de outrora, mas os olhos e a mente que armazenaram e confiaram a ela aquele momento eram outros. Lembramos através de nossos outros, revisitamos nossos eus que já nos deixaram por intermédio da nostalgia. E lá, sentimos segurança novamente, uma fuga da vida presente, um desejo de vivenciar novamente; o pai que lembra do filho, hoje adulto e no mundo, em seu colo e, nem que seja por um milésimo de segundo, imagina-se ali, com aquela figura frágil e pequena em seus braços; um amor, há muito passado, beija a alma do apaixonado que não esqueceu; um ente querido que já partiu abraça a existência daquele que permaneceu.

            A saudade dá rosto, cheiro, forma, sabor e sentimentos às lembranças guardadas. Naquela tarde, enquanto lia e trabalhava o texto com os meus alunos, senti a areia do campinho invadindo meus kichutes, a dor do joelho “lanhado” da queda recente, a alegria de recém sair do gol, sabendo que não voltaria sem que os outros cinco fizessem seu revezamento, mas, acima de tudo, experimentei novamente um pouco da liberdade de uma época em que uma bicicleta, uma bola com a sentença “oficial de campo” e um simples conjunto de palavras como “hoje pode ficar até mais tarde”, proferido pelos pais, bastavam para eu ficar de mãos dadas com a felicidade plena.

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