Dia
desses, em mais uma aula de interpretação textual, estava lendo com os alunos o
texto Futebol de rua de Luis Fernando Verissimo. No meio da leitura, bateu uma
saudade daqueles compromissos inadiáveis no campo da vila, com as goleiras de
chinelo ou, quando a preparação prévia havia ocorrido, de postes de madeira. Mais
uma das inúmeras saudades que sentimos ao longo da vida.
Saudade
é presença constante, vigia nossos passos, visita nossos sonhos, guia nossa
trajetória. É com a saudade que deixamos nossos mais caros sentimentos, é ela
que guarnece tudo que consideramos de mais valioso na vida, os tesouros que
acumulamos guardamos sob sua tutela, e para vê-los novamente precisamos evocá-la.
Ela suporta o peso de uma vida nos ombros, desobriga-nos do fardo constante de
carregarmos a tudo que nos foi, é e será importante.
Entretanto,
em determinadas ocasiões, nem mesmo ela, com toda a sua força, consegue suportar
o peso, transfere, sem consentimento algum, um pouco do que carrega para seu
antigo dono. Por vezes, através de uma fragrância, outras vezes por uma música,
surge a imagem nítida do que foi, a sensação, o sentimento, tudo revivido
através dos olhos do que já fomos. A saudade é uma espécie de portadora de
tempos de outrora, mas os olhos e a mente que armazenaram e confiaram a ela aquele
momento eram outros. Lembramos através de nossos outros, revisitamos nossos eus que já nos deixaram por intermédio
da nostalgia. E lá, sentimos segurança novamente, uma fuga da vida presente, um
desejo de vivenciar novamente; o pai que lembra do filho, hoje adulto e no
mundo, em seu colo e, nem que seja por um milésimo de segundo, imagina-se ali,
com aquela figura frágil e pequena em seus braços; um amor, há muito passado,
beija a alma do apaixonado que não esqueceu; um ente querido que já partiu
abraça a existência daquele que permaneceu.
A
saudade dá rosto, cheiro, forma, sabor e sentimentos às lembranças guardadas.
Naquela tarde, enquanto lia e trabalhava o texto com os meus alunos, senti a
areia do campinho invadindo meus kichutes,
a dor do joelho “lanhado” da queda recente, a alegria de recém sair do gol,
sabendo que não voltaria sem que os outros cinco fizessem seu revezamento, mas,
acima de tudo, experimentei novamente um pouco da liberdade de uma época em que
uma bicicleta, uma bola com a sentença “oficial de campo” e um simples conjunto
de palavras como “hoje pode ficar até mais tarde”, proferido pelos pais,
bastavam para eu ficar de mãos dadas com a felicidade plena.
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