- Não tem como, lamento.
- Não? Por quê?
Ela
não respondeu mais. Se conheceram da maneira típica, ela amiga da amiga dele.
Vislumbrou-se de imediato, paixão arrebatadora. Começaram a se falar, os
assuntos fluíam de maneira assustadora, na verdade, nunca encontrara alguém
como ela, da mesma forma, ela também nunca havia encontrada tamanha afinidade
com uma pessoa. Falavam-se todos os dias, na verdade, todas as horas, pois,
quando não se falavam, encontravam-se em pensamento. As conversas duravam horas
e horas, sempre com o lamento da necessidade de despedida. Foi em uma dessas
conversas que ele levantou a hipótese que martelava em seu peito há muito
tempo: declarou-se. Ela não esperava isso e, na verdade, evitava tal assunto,
pois, em seu íntimo, desejava o mesmo, e assim sendo, não queria ter que
recusá-lo. Sim, recusá-lo, pois havia um entrave entre os dois.
- Não podemos.
- Por que não? Você vê, não vê? Conversamos
como velhos conhecidos, eu sei que você sente isso, não negue.
- Não nego, mas não podemos.
- Por quê?
- Você não vai acreditar, mas garanto que não
podemos.
- Eu tenho o direito de saber.
- Quer mesmo?
- Quero.
- Então tá, incompatibilidade.
- Incom o quê?
- Incompatibilidade. Seu signo, não combina com
o meu. É perda de tempo, você está no meu inferno astral, entendeu?
- Eu não acredito que você...
- Viu? Eu disse, você não entenderia, melhor
pararmos com isso tudo, será melhor para os dois.
Ele
ficou atônito. Sem conseguir achar respostas. Era assim, pacato, mais regrado;
ela, o oposto. Porém não aceitou o cruel veredito. Pesquisou sobre o assunto,
atualizou-se, realmente, não havia ascendência, planeta ou qualquer outra
combinação astrológica que o salvasse, eram opostos exemplares, desses de
cartilha dos iniciados nas ciências dos astros. Não havia saída, teria que
esquecê-la e conviver com o fato. Tentou, mas não conseguiu. Através de um
amigo, conheceu o sistema de publicação das previsões astrológicas do jornal da
cidade, conseguiu o contato do responsável e enviou um e-mail relatando toda a
situação e solicitando que ele publicasse uma publicação favorável ao encontro
dois signos. Abaixo do texto, fez questão de deixar claro que não pouparia
esforços financeiros para recompensá-lo.
Pobre
vidente, estava com aluguel dois meses atrasados, culpa de seu eterno espírito
boêmio e sua falta de tato para investimentos. Diante de tal realidade, teve
facilmente seu pobre coração tocado com o pedido desesperado do amante.
Esquentou um bule de café, sentou em frente ao computador e fez com que os
astros enlouquecessem, planetas cruzassem órbitas alheias, estrelas trocassem
de constelações, ascendências fossem criadas e...pronto, no dia seguinte lá
estava, o signo dele era o mais indicado para o dela, a felicidade consistia em
os dois ficarem juntos.
O
amante nem precisou procurá-la, ela o fez. Alguns relatam que o desejo era
tanto que o encontro entre eles foi um acontecimento digno de registro.
Afinidade maior não existia, eram dois amigos apaixonados. Tiveram filhos,
construíram uma vida juntos e, com o tempo, eram invejados por todos, tal era a
afinidade de ambos. Os astros, ela repetia, nunca mentem, não é, meu amor?
Sempre que ele ouvia isso, em seu coração uma ponta dolorida de arrependimento
surgia. Foi durante uma janta, sob efeito do álcool, que ele contou a história,
sorrindo ao relatar o que fora capaz de fazer para ficar com a esposa. Todos
sorriram e passaram a relatar casos de loucuras de amor, todos, menos ela. A
noite terminou, os convidados se foram e ele despejou-se na cama, entorpecido,
acolhido pelo sono dos bêbados, sem sonho e sem vida.
Acordou
no outro dia com a cabeça representando uma quadra de escola de samba, a cada
inclinação uma dor diferente. Olhou para o lado e não viu nada, na verdade, não
escutava nenhum ruído. Estranhando, desceu até a sala esperando ver os filhos
entretidos e hipnotizados pelo vídeo game, mas nada disso, a casa estava
deserta, sem vida, sem brinquedos atirados, sem roupas penduradas. Olhou para o
relógio, eram 3 da tarde, dormira demais, deveriam ter ido na casa dos avós.
Foi ao olhar para a mesa no centro da sala que seu coração abandonou o seu
lugar e parou juntos aos seus pés, um bilhete, uma carta, conhecia aquela
letra, sabia a quem a carta era endereçada. Tentou remediar o inevitável, ligou
para sua mãe na esperança de sua família estar lá, mas não estava, ligou para
todos os parentes, nada.
Decidiu
criar coragem, abriu o bilhete, leu devagar, como que saboreando cada amargo
liberado por aquelas palavras. “Não posso compactuar com uma mentira”, “Como
você pode”, “Os astros não mentem, as pessoas sim” foram alguns exemplos
encontrados no texto. Em lágrimas, ainda viu um pequeno adendo na última linha
que dizia: cuidado com os próximos dias. Abaixo, o horóscopo da semana estava
lá. Em seu signo apenas uma mensagem: “Com Marte na casa de Aquário, cuidado no
amor, possível desentendimento com a pessoa amada”.
Os
astros não mentem. Nunca mais se recuperou, nunca mais a viu. Aguarda eternamente
Plutão cruzar a rota de Vênus novamente.
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