quarta-feira, 8 de abril de 2015

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Na verdade, nenhum dos dois recordava quando o relacionamento começou. Uns dizem que foi ao atravessar uma rua, outros afirmam que ele a viu no trabalho, o fato era que nunca mais se afastaram. Compravam presentes um para o outro. No primeiro natal após se virem pela primeira vez, ele, sabendo dos gostos dela, comprou uma coletânea dos poemas do Drummond. Edição de luxo com uma caixa enfeitada e com um brilho próprio. Ela comprou uma caixa dos mais raros charutos em uma tabacaria próxima de sua casa. Sentiu-se satisfeita ao pegar o embrulho na mão e manuseá-lo com esmero. Era pequeno e discreto, o que acrescentava ares de sofisticação para o objeto. E, assim, concluiu-se o primeiro de muitos Natais.
  No primeiro aniversário dela, ele não teve dúvidas, precisava impressionar, foi a região mais cara da cidade e entrou em uma das lojas mais requintadas que conhecia. A vendedora foi solícita, afinal, ele não conhecia o exato tamanho das vestes de sua amada, portanto ela o auxiliou como pode. Cada peça de roupa lhe dava um pequeno vislumbre do que seriam quando vestissem aquele corpo. Optou por um azul-claro que logo imaginou fazendo par com os olhos sempre maquiados que o encantavam tanto.
            No primeiro aniversário dele, ela preocupou-se em procurar algo que condissesse com aquilo que a encantava nele. Não o achava o mais belo dos homens, nem mesmo guardava desejos secretos por seu corpo nem um pouco atlético. Era o mistério que a atraía nele, a dúvida de não saber exatamente o que encantava, aumentava ainda mais o ímpeto de estar com ele, de o estar vendo. Foi com esse espírito que escolheu o presente, um CD raro, de uma antiga banda, edição de colecionador, algo típico de uma pessoa diferente dos estereótipos.
            Era dessa forma que o relacionamento seguia, cada dia, cada semana, cada mês, cada ano que passavam, aumentavam a força e o querer que compartilhavam entre eles.
            Os olhos faiscavam e voltavam ao frescor e vivacidade de seus primeiros anos quando se deparavam com a figura do outro. Ele tentou apaziguar um pouco essa intensidade, procurou outras distrações, outros focos para concentrar suas energias, tinha medo de sufocá-la. Ela sentia o mesmo, queria não precisar vê-lo como uma necessidade quase que biológica e vital.  Além disso, vieram os sonhos. Já não bastavam um impor a sua existência na vida do outro, invadiram os sonhos sem nenhum pudor. Dormir não era mais um descanso, mas, sim, um martírio.
           Ele foi o primeiro a cansar da situação, queria dar um basta, não poderia mais passar um ano assim. Para sua sorte, encontrou-a na fila do mercado. Olharam-se, ele foi em sua direção, pediria para que se mudasse, se ela não o fizesse ele o faria, só não podiam entrar mais um ano com essa pendência. Ela, notando que ele caminhava em sua direção, virou-se para frente cuidando o vulto que se aproximava. Ele travou, as pernas não mexiam, não respondiam a sua vontade. A fila andou e ela foi em direção ao caixa, em seu coração desejava que ele a chamasse, atenderia prontamente, diria tudo que vinha sentido, mas ele não chamou.
           Voltaram para casa frustrados e infelizes. Encontraram-se no sonho. Prometeram nunca se separar.

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