Na verdade, nenhum dos dois
recordava quando o relacionamento começou. Uns dizem que foi ao atravessar uma
rua, outros afirmam que ele a viu no trabalho, o fato era que nunca mais se
afastaram. Compravam presentes um para o outro. No primeiro natal após se virem
pela primeira vez, ele, sabendo dos gostos dela, comprou uma coletânea dos poemas
do Drummond. Edição de luxo com uma caixa enfeitada e com um brilho próprio. Ela
comprou uma caixa dos mais raros charutos em uma tabacaria próxima de sua casa.
Sentiu-se satisfeita ao pegar o embrulho na mão e manuseá-lo com esmero. Era
pequeno e discreto, o que acrescentava ares de sofisticação para o objeto. E,
assim, concluiu-se o primeiro de muitos Natais.
No
primeiro aniversário dela, ele não teve dúvidas, precisava impressionar, foi a
região mais cara da cidade e entrou em uma das lojas mais requintadas que
conhecia. A vendedora foi solícita, afinal, ele não conhecia o exato tamanho
das vestes de sua amada, portanto ela o auxiliou como pode. Cada peça de roupa
lhe dava um pequeno vislumbre do que seriam quando vestissem aquele corpo.
Optou por um azul-claro que logo imaginou fazendo par com os olhos sempre maquiados
que o encantavam tanto.
No
primeiro aniversário dele, ela preocupou-se em procurar algo que condissesse com
aquilo que a encantava nele. Não o achava o mais belo dos homens, nem mesmo
guardava desejos secretos por seu corpo nem um pouco atlético. Era o mistério
que a atraía nele, a dúvida de não saber exatamente o que encantava, aumentava
ainda mais o ímpeto de estar com ele, de o estar vendo. Foi com esse espírito
que escolheu o presente, um CD raro, de uma antiga banda, edição de
colecionador, algo típico de uma pessoa diferente dos estereótipos.
Era
dessa forma que o relacionamento seguia, cada dia, cada semana, cada mês, cada
ano que passavam, aumentavam a força e o querer que compartilhavam entre eles.
Os
olhos faiscavam e voltavam ao frescor e vivacidade de seus primeiros anos
quando se deparavam com a figura do outro. Ele tentou apaziguar um pouco essa intensidade,
procurou outras distrações, outros focos para concentrar suas energias, tinha
medo de sufocá-la. Ela sentia o mesmo, queria não precisar vê-lo como uma
necessidade quase que biológica e vital. Além disso, vieram os sonhos. Já não bastavam
um impor a sua existência na vida do outro, invadiram os sonhos sem nenhum
pudor. Dormir não era mais um descanso, mas, sim, um martírio.
Ele foi o primeiro a cansar da
situação, queria dar um basta, não poderia mais passar um ano assim. Para sua
sorte, encontrou-a na fila do mercado. Olharam-se, ele foi em sua direção,
pediria para que se mudasse, se ela não o fizesse ele o faria, só não podiam
entrar mais um ano com essa pendência. Ela, notando que ele caminhava em sua
direção, virou-se para frente cuidando o vulto que se aproximava. Ele travou,
as pernas não mexiam, não respondiam a sua vontade. A fila andou e ela foi em
direção ao caixa, em seu coração desejava que ele a chamasse, atenderia
prontamente, diria tudo que vinha sentido, mas ele não chamou.
Voltaram para casa frustrados
e infelizes. Encontraram-se no sonho. Prometeram nunca se separar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário