segunda-feira, 30 de março de 2015

Conversa pré-nupcial 2



- Biologia?
- O que tem?
- Nada, apenas é estranho.
- Estranho por quê?
- Sei lá, pessoal de Biologia, sabe como é...
- Não, não sei.
- Você espera o que no fim de semana?
- Como assim?
- Você sai todo fim de semana.
- E o que é que tem?
- Ela não vai sair. Pessoas de biologia não saem todo final de semana.
- Isso não é uma espécie de preconceito? Ela representa ser tão centrada e , além disso, é uma ótima companhia.
- Viu? Eu não disse? Você já está sendo influenciado. Desde quando você fala “espécie”? “Representa”? Meu senhor, você mal usava anáforas.
- Aná... o quê?
- Deixa pra lá, o importante é que ela não é para você.
- Diz isso apenas por ela falar difícil?
- Não. Digo isso porque vocês são totalmente diferentes, não estão ocupando o mesmo mundo, o mesmo espaço, são como corpos de universos distintos que se cruzaram.
- Peraí, corpos estranhos de universos o quê? Você fala mais difícil que ela. E outra, você não faz licenciatura?
- Sim, e daí?
- Daí que você é como ela.
- E?
- E daí que somos amigos. Ora, se posso ser teu amigo, então também posso dar certo com ela.
- É mais complicado.
- Como assim complicado?
- Nos conhecemos antes de tudo.
- Antes de tudo o quê?
- Antes de você consolidar seu caminho. Da mesma forma, eu ainda não havia determinado o meu. Vocês vão fazer o que juntos?
- Como assim?
- Você acha que ela olha futebol?
- Ela é gremista!!
- Não é não. Não dá a mínima para futebol. Está apenas com o fervor inicial da paixão, dirá que gosta de críquete se for necessário. Entretanto, com o tempo, o fervor diminui e não compensam mais tantas mentiras e adequações. Ela deve pensar que o futebol é uma diversão da massa, feito para entreter e distrair o povo enquanto as coisas acontecem.
- Mas olhamos juntos o jogo, ela estava empolgada e...
- Encenação. Você não foi ao teatro com ela?
- Fui, mas...
- Fez cara feia? Você odeia teatro!
- É diferente.
                Começou seriamente a enxergar a verdade, eram incompatíveis. Chutou uma pedra no chão como se pudesse afastar a dúvida e a sensação ruim que o cercava.
- Paciência, meu amigo. Mais cedo ou mais tarde isso iria acontecer. Que aconteça cedo.
- Sabe, eu convidei ela para olhar o Capitão América e ela foi.
- Reclamou?
- Não! Disse que estava ótimo.
- Ótimo? Ela gosta é de Yasujiro Ozu, talvez um Tarantino. Você gosta do quê? X-men?
- Mas isso não significa nada.
- Significa tudo, meu amigo. Significa o futuro de vocês.
- O que eu faço? Ligo para ela?
- Foi na casa dela?
- Não!
- Então não liga, melhor que o tempo dê a resposta.
- Não sei.
- Pensa, homem. Vai investir em um relacionamento fadado ao fracasso? Faria isso com ela? Essa é a pergunta que deve fazer a si mesmo.
- Tem razão. Não posso deixá-la entrar em um barco furado. Vou deixar como está.
- É o melhor a fazer.
                Foi com relutância que tomou a decisão. Por um momento, sentiu que havia encontrado a pessoa certa. Porém, como o amigo havia dito, não podia condenar a vida de uma pessoa. Absolveria ela de um transtorno futuro. Que fosse feliz com alguém do mundo dela. Deixou o amigo sentado sozinho e foi remoer sua lamentação em um bar próximo do prédio do campus.
                O amigo ficou mais um tempo degustando o que havia feito. Será que esse tal de Ozu era bom mesmo? Iria assistir a um filme dele, mesmo que não gostasse. Devia isso ao amigo que fizera perder uma paixão. Afinal, no amor vale tudo, e ele havia visto ela primeiro. Casou com a bióloga na primavera do ano seguinte. Não teve padrinho.

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