terça-feira, 23 de agosto de 2016

Histórias curtas 9

Momento



Foi com relutância que postou-se ali, à frente do que a assustava, uma gladiadora aguardando a iminente batalha. Por dias negou-se a encarar o fato, a decisão tomada, pois desfrutava da dor do deslizar lento e suave daquelas palavras frias em seu peito, postergando o golpe derradeiro, o movimento misericordioso. Já estava a amar a dor da dúvida, pois era o único vínculo que a mantinha ligada a ele. Amava-a odiando, lamentava a vida que não possuía. Porém, naquele momento, tudo isso era passado, descortinara a verdade, entendera que de respostas não respondidas, projetos não terminados e desilusões formalizadas, estruturava-se isso a que chamava de vida. Frequentemente eram as perdas e decepções que forneciam e colocavam os tijolos mais sólidos, com os quais ela elaborava as construções mais requintadas. Sabia que desse tijolo não esqueceria e o colocaria em um ponto especial de sua estrutura. Abriu o bilhete, não se deu ao trabalho de lê-lo por inteiro, limitou-se ao “desculpe, mas não posso mais...”. Fechou-o para sempre, depositou sem raiva, sem emoção, na lixeira ao lado. Edificou-se, tornou-se mais, o milagre da vida acontecendo. Foi viver, mais experiente, mais forte, mais viva.

Nenhum comentário:

Postar um comentário