sábado, 13 de fevereiro de 2016

Sobre guarda-chuvas e a humanidade


          Mário Quintana escreveu sobre guarda-chuvas e como esses acessórios somem misteriosamente de nossas posses. Eles, os guarda-chuvas, conforme o poeta, vão para um lugar especial: os anéis de Saturno, permanecendo na obscuridade. A sociedade, por sua vez, também perdeu seu guarda-chuva e, pelo andar da carruagem, está longe de encontrá-lo; definitivamente, ficou no meio do caminho, em algum ponto ou curva da trajetória.
                   Há poucos meses, choramos com a imagem de uma criança repousando sem vida em uma praia na Turquia, jornais de todo o mundo viraram-se para o drama dos refugiados e da situação na Síria. Contudo, o mundo atual é veloz, ávido por novidades e inundado frequentemente de fatos mais importantes da história, e, assim, aquele garotinho na praia foi abandonado lá, sua imagem foi excluída para não suscitar remorso e a praia tornou-se inacessível. Hoje, as crianças, órfãs da humanidade perdida pela sociedade, morrem no alto-mar, distante o bastante da costa e das lentes fotográficas que podem sensibilizar um desavisado durante seu café da manhã, não possuem silhueta ou aparentam qualquer vestígio que denuncie sua pouca idade, estão embaladas dos olhos da sociedade em sacos negros como as noites que as tragam.
                  As suas orfandades são acalentadas pelas guerras. Guerras que as adotam, criam, moldam e tornam elas sem perspectiva, futuro ou exigências como brinquedos, roupas ou carinho. Essas crianças fazem parte de um país que, para nossa sociedade, não passa de um ponto no mapa, uma página do jornal, dois minutos do noticiário televisivo. Deixamos de ver um país como um ponto geográfico habitado por pessoas com os mesmos sonhos, desejos, ambições e direitos que nós. Habituamo-nos a aceitar a transformação de pessoas em números, pois números não possuem filhos, pais, irmãos ou qualquer vestígio similar de vida. Números não tiram a nossa fome ou causam tanto desconforto.
                A sociedade perdeu e continua perdendo sua humanidade aos poucos, todos os dias, em doses homeopáticas, no conforto de seus lares, entre notícias e o comercial do último carro lançado.

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