Lembro
da época em que o asfalto ainda não havia engolido os velhos e irregulares
paralelepípedos e os prédios eram ocupados por campos baldios que viravam verdadeiras
arenas modernas ao fim de todas as tardes. O futebol não era privado, e os
poucos campos que exigiam uma taxa para a disputa eram ocupados por poucos. A
rua de casa era decorada por pereiras que, em determinadas passagens do ano,
esverdeavam as calçadas, maculadas com as riscas de tijolos dos jogos de
amarelinha, com peras e folhas que caíam de forma abundante, enlouquecendo os
vizinhos que passavam horas executando uma dança incansável com suas vassouras.
Eu e minha irmã, que pouca atenção dávamos para caprichos, víamos as peras
tombadas como instrumentos de diversão, jogávamos na rua e esperávamos, em um
exercício sublime de paciência, um carro passar sobre elas, transformando-as em
uma polpa esmagada. Era nossa maneira de contribuir para a decoração de nossa
rua.
Apesar
da imagem acima parecer ser de um momento distante e perdido, possui uns 20 e
poucos anos. O mundo era mais lento, as novidades entre as pessoas, salvo as
notícias, levavam o tempo de coletarem as histórias em urnas azuis e amarelas,
levarem elas para a central, desta última para uma outra na cidade destino, e,
por fim, levava o tempo das pernas que as carregavam até o ansioso destinatário.
As histórias, nesse meio tempo, cresciam, ficavam adultas, envelheciam e,
quando chegavam, eram corpulentas e acompanhadas de imensa significação. Eu, particularmente,
trocava correspondências com minha prima que morava na capital, o telefone,
antes que um desavisado se manifeste, existia, mas era para poucos, e, mesmo os
que possuíam, o usavam com moderação e respeito.
Hoje,
uma novidade dura o tempo de um clique, um relatório leva o tempo da escrita, a
coleta de informações dura o tempo de uma pesquisa em um site. As mensagens de
amor chegam de forma instantâneas, marido e mulher; pais e filhos; amigos de
longa data; não há mais solidão no mundo atual. Entretanto, esse contato do
agora trouxe suas consequências. O mundo está veloz, acionamos um motor que
não podemos mais desativar, descemos uma ladeira sem fim, e a velocidade
aumenta cada vez mais. As histórias são coletadas e recebidas ainda jovens, sem
os engordes do tempo, sem os enfeites da espera, sem a ornamentação do
mistério.
O
grande desafio, atualmente, é como aproveitar a viagem apesar da velocidade com
que andamos. É preciso abrir o vidro, sentir o vento no rosto, molhar as mãos
nos dias de chuva, estar atento às paisagens, caso contrário, a velocidade de
hoje consome nossas vontades, acelera nossos momentos, sufocando as coisas
pequenas, que exigem tempo e abstração. Em mundo repleto de prazos, por vezes,
precisamos aprender a vivermos sem eles, desconectarmos o relógio da pressa,
encontrar nossas ‘brincadeiras com as peras” e cultivá-las, sem pressa, sem
tempo, sem prazo.
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