quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

As peras de cada um


            Lembro da época em que o asfalto ainda não havia engolido os velhos e irregulares paralelepípedos e os prédios eram ocupados por campos baldios que viravam verdadeiras arenas modernas ao fim de todas as tardes. O futebol não era privado, e os poucos campos que exigiam uma taxa para a disputa eram ocupados por poucos. A rua de casa era decorada por pereiras que, em determinadas passagens do ano, esverdeavam as calçadas, maculadas com as riscas de tijolos dos jogos de amarelinha, com peras e folhas que caíam de forma abundante, enlouquecendo os vizinhos que passavam horas executando uma dança incansável com suas vassouras. Eu e minha irmã, que pouca atenção dávamos para caprichos, víamos as peras tombadas como instrumentos de diversão, jogávamos na rua e esperávamos, em um exercício sublime de paciência, um carro passar sobre elas, transformando-as em uma polpa esmagada. Era nossa maneira de contribuir para a decoração de nossa rua.
            Apesar da imagem acima parecer ser de um momento distante e perdido, possui uns 20 e poucos anos. O mundo era mais lento, as novidades entre as pessoas, salvo as notícias, levavam o tempo de coletarem as histórias em urnas azuis e amarelas, levarem elas para a central, desta última para uma outra na cidade destino, e, por fim, levava o tempo das pernas que as carregavam até o ansioso destinatário. As histórias, nesse meio tempo, cresciam, ficavam adultas, envelheciam e, quando chegavam, eram corpulentas e acompanhadas de imensa significação. Eu, particularmente, trocava correspondências com minha prima que morava na capital, o telefone, antes que um desavisado se manifeste, existia, mas era para poucos, e, mesmo os que possuíam, o usavam com moderação e respeito.
            Hoje, uma novidade dura o tempo de um clique, um relatório leva o tempo da escrita, a coleta de informações dura o tempo de uma pesquisa em um site. As mensagens de amor chegam de forma instantâneas, marido e mulher; pais e filhos; amigos de longa data; não há mais solidão no mundo atual. Entretanto, esse contato do agora trouxe suas consequências. O mundo está veloz, acionamos um motor que não podemos mais desativar, descemos uma ladeira sem fim, e a velocidade aumenta cada vez mais. As histórias são coletadas e recebidas ainda jovens, sem os engordes do tempo, sem os enfeites da espera, sem a ornamentação do mistério.

            O grande desafio, atualmente, é como aproveitar a viagem apesar da velocidade com que andamos. É preciso abrir o vidro, sentir o vento no rosto, molhar as mãos nos dias de chuva, estar atento às paisagens, caso contrário, a velocidade de hoje consome nossas vontades, acelera nossos momentos, sufocando as coisas pequenas, que exigem tempo e abstração. Em mundo repleto de prazos, por vezes, precisamos aprender a vivermos sem eles, desconectarmos o relógio da pressa, encontrar nossas ‘brincadeiras com as peras” e cultivá-las, sem pressa, sem tempo, sem prazo.

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