![]() |
Fonte: http://imguol.com/c/noticias/f3/2015/09/03/3set2015---ao-abracar-aylan-kurdi-um-anjo-diz-espero-que-a-humanidade-encontre-a-cura-para-os-vistos-de-entrada-1441316749554_956x500.jpg |
Era um garoto na praia. Não
estava brincando na água, não berrava exigindo um picolé, um milho verde, um
refrigerante, muito menos, atenção para uma brincadeira mais arrojada, um
movimento diferenciado, um mergulho arriscado. Era muito jovem para boa parte
dos atos citados. Na verdade, era muito jovem para a grande maioria das coisas.
Talvez,
não tenha compreendido, por que teria que sair de sua casa, abandonar seus
brinquedos e seus amiguinhos. Não tenha entendido que os sons frequentes que
ouvia, não eram fogos de artifício, era jovem demais para compreender as
maldades dos homens. Talvez, tenha recebido com alegria a possibilidade de
poder desbravar um mar imenso que se desenhava a sua frente, poderia ser como
os heróis dos desenhos animados, que manejavam com habilidade aqueles imensos
construtos humanos que desafiavam os nervosos e constantes movimentos
marítimos. Talvez tenha se alegrado ao ver tanta gente tendo a possibilidade de
ingressar naquela aventura, como conquistadores, um alento para o fato de
precisar abandonar sua casa, seu quarto, sua cama, seu travesseiro. Sim, o
garoto não nascera na praia, nascera, possivelmente, em um hospital, recebera
um nome, fora abraçado com entusiasmo pela mãe quando o médico o deixou nos
braços cansados da moça após o parto. Mesmo que inconsciente, fora assistido
pelo pai através de um vidro, sendo venerado e saudado como um presente, um
milagre da vida. Fora posto para dormir, inúmeras noites, embalado por canções
de ninar e promessas de um futuro lindo e promissor que não chegou: “dorme, meu
pequeno craque”, “ dorme, meu filho, você será um lindo e forte rapaz”, “dorme,
meu coração, meu futuro doutor”.
Talvez,
quando o barco deu sinais de que naufragaria, possa ter ficado tranquilo, pois
era pequeno demais para saber que o pai não possuía superpoderes, que não
poderia fazer as águas do mediterrâneo abrirem para transportar o menino em
segurança à costa. Muito menos conseguia entender, enquanto a água começava a
lhe importunar, por que a família precisava fazer tudo isso para visitar um
lugar, que mal eles poderiam causar a alguém para que não pudessem ser
recebidos de bom grado em qualquer lugar do mundo? Ele seria um bom menino, não
pediria nada, ficaria quietinho brincando, não seria um estorvo aos habitantes de
qualquer região desse planeta. Era jovem demais para saber que uma vida é
barata, descartável, e apenas um grão de areia diante de preceitos políticos,
religiosos, culturais e econômicos. Era jovem demais.
Talvez,
e gosto desse talvez, uma espécie de anjo tenha se apiedado de tudo isso. Tenha
movido suas asas imensas, descido lentamente em direção daquelas pessoas em
pânico, pego, delicadamente, a diminuta mão daquela criança e levado ela para
um mundo sem pátria, sem cor, sem política, sem guerra e sem rancor, onde todos
são respeitados, sem importar suas escolhas. Talvez, tenha ficado com receio
que aquela criança conhecesse o que há de pior na humanidade, e, assim, deixou
intacto seu coração.
Talvez,
aquela criança esteja sã e salva em algum lugar. Talvez, naquela praia na
Turquia, tenha ficado, dolorosamente escancarada, apenas a nossa humanidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário