quarta-feira, 26 de agosto de 2015

A árvore



            Nasceu sem um propósito ou motivo aparente. Na verdade, pouco sabia do processo que envolveu sua concepção. Foi com alguns meses de vida que ouviu: “essa é a árvore do Fred!”. Pronto, desvendara seu mistério, era a árvore do Fred, seria a melhor em sua missão, não descansaria um só dia se quer até conseguir alcançar altura necessária para propiciar a Fred a melhor sombra do mundo.
            Com esse intuito e essa razão de ser, passou a não desperdiçar uma só gota de água, um só nutriente oriundo da terra. Bebia como alguém sedento, alimentava-se como o mais desprovido, na ânsia por se fazer imensa, terminava por acompanhar cada milímetro de desenvolvimento, comparando os tamanhos dos ainda frágeis galhos dia após dia. Assim, apostava uma corrida incansável com Fred, quanto mais ela crescia, mais assistia ao crescimento do garoto que ganhava pelos, ombros, braços e, principalmente, altura. Na verdade, a pista de corrida do tempo inclinava-se de forma desfavorável a ela, que não conseguia alcançar seu adversário ao final de cada dia.
            Entretanto, o destino passou a sorrir-lhe. Repentinamente, a ordem se invertera, como um corredor cansado e enjoado de competir, o garoto parou de crescer e a árvore passou a olhá-lo de cima e, orgulhosa, a fazer-lhe sombra. Esperava os dias de sol para poder protegê-lo, alegrava-se de vê-lo sob seus cuidados, mas era quando o ouvia comentar como era boa a sua sombra que sentia o orgulho subir-lhe pelas raízes até o alto da sua copa.
            O tempo passou a fazer de Fred um homem e dela uma árvore forte e vigorosa, o bastante para sustentar em seus galhos o balanço que embalava o filho de seu dono em viagens para o céu infinito, mesmo que não compreendia como o menininho ia ao céu sem se desprender dela. Por vezes, sentia ímpetos de se abrigar um pouco mais próxima da casa, compartilhar das risadas internas durante os almoços e jantares da família, mas nunca conseguiu sair do lugar no qual fora gerada há incontáveis anos. Passava seus dias admirando “sua família” e divertindo-se com uma família de pássaros que insistia em manter seu lar em seus galhos, eram leves os seus dias no jardim, sentia a felicidade plena
            Um dia, porém, sem o menor aviso, perdeu o balanço que já encarava como uma extensão de seu corpo. Acompanhado desse ato, sentiu, pela primeira vez em sua existência, o contato gelado de uma lâmina em seu interior, a dor irrompeu dentro de si, urrou, mas o som não saiu. Assistiu, passivamente, galho após galho ser decepado. Por que estavam fazendo aquilo? Não havia sido uma boa árvore? Será que deixara a luz passar no momento inadequado? Talvez não tivesse sustentado o balanço como deveria. Em um esforço descomunal, berrou por misericórdia, porém o máximo que obteve foi o surgimento de um pequeno broto, imperceptível, em um dos troncos recém descobertos pela ação da impiedoso motosserra. Uma representação visual de sua agonia.
            Era com terror que ouvia o som estridente daquele instrumento trabalhando com todo o vigor, queria implorar por sua vida, ajoelhar-se, prometer ser uma boa árvore, garantir que cresceria mais forte com uma copa fechada, que não deixaria passar, nem mesmo, uma gota de chuva que fosse, apenas queria a chance de viver. A máquina assassina tocou-lhe na base, sentia-a esmigalhando sua essência, fazendo sua alma transformar-se em serragem, tentava resistir, manter-se em pé, não entregar sua existência, seu ser. Em um último esforço, concentrou todas as suas forças em conseguir emitir um único som que fosse, uma clemência, uma súplica, sugou todo o resto da seiva de seu interior, sorveu todo o nutriente que suas raízes puderam captar e, de maneira inesperada, um ato impossível de ser concebido, berrou:
- Desculpa!
            Fred interrompeu o corte, olhou para o filho:
- Falou alguma coisa?
- Não, pai. Por quê?
- Parecia ter ouvido alguma coisa.
            Ligou novamente a motosserra e terminou de cortar a árvore. A piscina chegaria naquela tarde, precisaria retirar as raízes ainda, havia muito a ser feito.

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