Nasceu
sem um propósito ou motivo aparente. Na verdade, pouco sabia do processo que
envolveu sua concepção. Foi com alguns meses de vida que ouviu: “essa é a
árvore do Fred!”. Pronto, desvendara seu mistério, era a árvore do Fred, seria
a melhor em sua missão, não descansaria um só dia se quer até conseguir
alcançar altura necessária para propiciar a Fred a melhor sombra do mundo.
Com
esse intuito e essa razão de ser, passou a não desperdiçar uma só gota de
água, um só nutriente oriundo da terra. Bebia como alguém sedento,
alimentava-se como o mais desprovido, na ânsia por se fazer imensa, terminava
por acompanhar cada milímetro de desenvolvimento, comparando os tamanhos dos
ainda frágeis galhos dia após dia. Assim, apostava uma corrida incansável com
Fred, quanto mais ela crescia, mais assistia ao crescimento do garoto que
ganhava pelos, ombros, braços e, principalmente, altura. Na verdade, a pista de
corrida do tempo inclinava-se de forma desfavorável a ela, que não conseguia
alcançar seu adversário ao final de cada dia.
Entretanto,
o destino passou a sorrir-lhe. Repentinamente, a ordem se invertera, como um
corredor cansado e enjoado de competir, o garoto parou de crescer e a árvore
passou a olhá-lo de cima e, orgulhosa, a fazer-lhe sombra. Esperava os dias de
sol para poder protegê-lo, alegrava-se de vê-lo sob seus cuidados, mas era
quando o ouvia comentar como era boa a sua sombra que sentia o orgulho
subir-lhe pelas raízes até o alto da sua copa.
O
tempo passou a fazer de Fred um homem e dela uma árvore forte e vigorosa, o bastante
para sustentar em seus galhos o balanço que embalava o filho de seu dono em
viagens para o céu infinito, mesmo que não compreendia como o menininho ia ao
céu sem se desprender dela. Por vezes, sentia ímpetos de se abrigar um pouco
mais próxima da casa, compartilhar das risadas internas durante os almoços e
jantares da família, mas nunca conseguiu sair do lugar no qual fora gerada há
incontáveis anos. Passava seus dias admirando “sua família” e divertindo-se com
uma família de pássaros que insistia em manter seu lar em seus galhos, eram
leves os seus dias no jardim, sentia a felicidade plena
Um
dia, porém, sem o menor aviso, perdeu o balanço que já encarava como uma
extensão de seu corpo. Acompanhado desse ato, sentiu, pela primeira vez em sua
existência, o contato gelado de uma lâmina em seu interior, a dor irrompeu
dentro de si, urrou, mas o som não saiu. Assistiu, passivamente, galho após
galho ser decepado. Por que estavam fazendo aquilo? Não havia sido uma boa
árvore? Será que deixara a luz passar no momento inadequado? Talvez não tivesse
sustentado o balanço como deveria. Em um esforço descomunal, berrou por
misericórdia, porém o máximo que obteve foi o surgimento de um pequeno broto,
imperceptível, em um dos troncos recém descobertos pela ação da impiedoso
motosserra. Uma representação visual de sua agonia.
Era
com terror que ouvia o som estridente daquele instrumento trabalhando com todo
o vigor, queria implorar por sua vida, ajoelhar-se, prometer ser uma boa
árvore, garantir que cresceria mais forte com uma copa fechada, que não
deixaria passar, nem mesmo, uma gota de chuva que fosse, apenas queria a chance
de viver. A máquina assassina tocou-lhe na base, sentia-a esmigalhando sua
essência, fazendo sua alma transformar-se em serragem, tentava resistir,
manter-se em pé, não entregar sua existência, seu ser. Em um último esforço,
concentrou todas as suas forças em conseguir emitir um único som que fosse, uma
clemência, uma súplica, sugou todo o resto da seiva de seu interior, sorveu
todo o nutriente que suas raízes puderam captar e, de maneira inesperada, um
ato impossível de ser concebido, berrou:
- Desculpa!
Fred
interrompeu o corte, olhou para o filho:
- Falou alguma coisa?
- Não, pai. Por quê?
- Parecia ter ouvido alguma coisa.
Ligou
novamente a motosserra e terminou de cortar a árvore. A piscina chegaria
naquela tarde, precisaria retirar as raízes ainda, havia muito a ser feito.
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