segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Vicissitudes

Vicissitudes

Jeferson Luis de Carvalho

- Não.
- Não?
- Óbvio.
- Você sempre gostou.
- Gostei nada. Você que nunca notou. Como sempre.
- Começou.
- Começou o quê?
- Você, reclamando, dizendo que não faço nada que preste, que não lhe dou atenção.
- O que faz ou deixa de fazer não me interessa mais.
- Dá para parar?
- Parar com o quê?
- De brigarmos, ao menos uma noite. O que eu preciso fazer para você não brigar?
- Não há nada que você possa fazer.
- Quanta amargura.
- Amargura? Isso é realidade, meu bem. Anos jogados fora, anos de dedicação para receber nada. A gente aprende. Às vezes, demoramos, mas, no fim, todo mundo aprende. Eu aprendi. E tem mais, já vou avisando, estou saindo com alguém.
- O quê?
- Que cara é essa? Esperava o quê?
- Dignidade da sua parte.
- Dignidade?
- Sim, dignidade, o que vão pensar por aí. Olha lá, já está com outro, aposto que já traía ele.
- Seis meses!!
- Pois então, seis meses. É muito recente, ambos estamos feridos.
- Feridos? Você esqueceu por que terminamos?
- Vicissitudes da vida.
- Vici... o quê?
- Detalhes, circunstâncias de uma vida a dois.
- Detalhe chamado Renata e medindo meio metro de altura somente nas pernas.
- Já disse que não foi nada disso, e ela não chega a ter meio metro de perna.
- Ah, não! Aí, já é demais.
- Calma, calma, espera. Por favor. Somos adultos, podemos conversar. Como ele é?
- Como é quem?
- Esse rapaz.
- Ele é um homem.
- Homem, rapaz, tanto faz, é tudo igual.
- Não, existe uma grande diferença.
- Eu sou o quê?
- Rapaz, definitivamente, rapaz.
- Explica.
- Viu? Rapaz.
- Desculpa, senhora maturidade. Seis meses, seis meses, bem que minha mãe me avisou.
- Olha aqui, eu só vim porque você falou que precisa conversar urgentemente e...
- Mas não estamos conversando?
- Roberto...
- Tá bom, tá bom. É que estou tentando compreender a situação, você, esse cara, seis meses.
- Roberto, você estava com essa Renata dois dias depois.
- Vicissitudes.
- Eu vou embora, não vou ficar aguentando isso aqui. E a propósito, se esse jantar foi para decidirmos sobre os nossos livros, a resposta é não. Você saiu de casa, você escolheu. E além do mais, o “homem” adora ler, e gosto muito de agradá-lo. E toma essa comanda, a conta é sua.
- Amor! Espera...
Era tarde. Ficou ali sentado olhando para a comanda e a, agora, cadeira vazia. Rapaz? O que afinal diferenciava um homem de um rapaz? Não sabia a distinção entre ser homem e rapaz. Precisava da sua biblioteca de volta, e de sua aurora intelectual. Cultura, a mais absoluta e alta cultura. A que separa os sábios dos ignorantes. Nunca lera nenhum livro dela, mas não precisava, necessitava apenas da essência que os livros parados na estante exalavam.
O garçom veio em sua direção:
- Senhor, não pude deixar de escutar o transtorno, algum problema grave?
- Nada não, meu rapaz. Apenas vicissitudes.
- Perdão, senhor. Vici o quê?
- Esquece, traga-me a carta de vinho.

            Enquanto o garçom afastava-se, sorriu sozinho. Vicissitudes, já era a segunda pessoa que não sabia o significado. Iria procurar outras no google. 

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