segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Almoço de domingo

Talvez, se tivesse experimentado a situação antes, não teria tomado a decisão. O silêncio era mais alto do que lembrava. Sentia-se pequena no apartamento que, um dia, chamara de minúsculo.
Caminhou lentamente até o banheiro, o que o espelho refletia não era mais a garotinha de antes, era uma mulher, tinha se tornado “grande”. Ligou a torneira e deixou a água escorrer lentamente entre as mãos, era domingo, o primeiro em anos. Fez uma pequena bacia com as palmas em formato de conchas para acumular a água, e a jogou sobre o rosto. Estava gelada, mas a sensação não lhe foi estranha. Repetiu o gesto algumas vezes.
Saiu do banheiro, desistiu de tomar o café da manhã, pegou um velho casaco e foi sentar na sacada, alimentando-se do, antes tímido, sol que agora tentava fazer frente ao ar gélido que emanava. Era uma manhã fria, talvez por isso cada raio de sol que tocava seu corpo ganhava importância, era como se estivesse sendo acariciada lentamente. Ficou ali por infindáveis minutos, sem pensar em nada, sem pensar em si e nem nos outros. Não pensava.
Logo abaixo, duas crianças brincavam na manhã gelada como se o frio não estivesse entre elas. Corriam de um lado para o outro, com mil sorrisos para cada uma. Debruçou-se na murada e, por um instante, sentiu vontade de estar lá embaixo, correndo junto com elas, gritando, mas entendeu que não podia mais ter aquele sorriso, ele tinha idade. Alguns conseguem manter a mesma essência, mas nunca o mesmo sorriso. Aquele sorriso não sofrera as cobranças da vida, não havia sido informado que a brincadeira não era o ápice da vida.
Voltou para dentro, ficara muito tempo na sacada, o sol, as crianças e o frio a haviam feito perder a noção de tempo, contudo isso pouco importava, devia satisfação apenas para si mesma.
Pensou em deitar no sofá um pouco. Desistiu. Iria preparar o almoço, foi a geladeira e tirou todos os ingredientes. Colocou-os sobre a pia distribuídos como tropas à espera de uma batalha. Habituou-se a agradar aos outros, precisava aprender a agradar a si. Perguntou-se o que desejava, e, inconscientemente, iniciou um monólogo sobre o que faria no almoço. Discutiu por algum instante, rebateu a si mesma, contra-argumentou, brigou, desistiu, voltou atrás, chorou. Por fim, decidiu por um cardápio.
Realizou o preparo com carinho nunca antes feito, era o almoço mais importante da sua vida. Enquanto casava os ingredientes de forma minuciosa, surpreendeu-se com o bem-estar proporcionado por dedicar-se ao seu bel-prazer. Cada etapa finalizada lhe trazia um prazer indescritível, estar preocupada com seu próprio gosto, sua vontade, fazia com que, de alguma forma, ganhasse vida, ocupasse um espaço que nunca havia se dado conta que possuía.
Arrumou a mesa como que para uma rainha. Os talheres milimetricamente dispostos na mesa vazia. O prato como um senhor da mesa. Olhava ansiosamente para o relógio, cada segundo se arrastava lentamente. Olhou-se de relance no espelho, resolveu passar um batom, colocou o brinco que mais gostava, usou o mais caro perfume, vestiu-se como uma majestade.
O almoço ficou pronto. Serviu-o com muito cuidado, sentou à mesa como se ali fosse um trono.
Como uma rainha assume um reinado, assumiu o comando de seu próprio reino. Foi o melhor almoço de sua vida. Estava plena.

Nenhum comentário:

Postar um comentário