Talvez, se tivesse experimentado a situação antes, não
teria tomado a decisão. O silêncio era mais alto do que lembrava. Sentia-se
pequena no apartamento que, um dia, chamara de minúsculo.
Caminhou lentamente até o banheiro, o que o espelho
refletia não era mais a garotinha de antes, era uma mulher, tinha se tornado “grande”.
Ligou a torneira e deixou a água escorrer lentamente entre as mãos, era
domingo, o primeiro em anos. Fez uma pequena bacia com as palmas em formato de
conchas para acumular a água, e a jogou sobre o rosto. Estava gelada, mas a sensação não lhe foi
estranha. Repetiu o gesto algumas vezes.
Saiu do banheiro, desistiu de tomar o café da manhã, pegou
um velho casaco e foi sentar na sacada, alimentando-se do, antes tímido, sol
que agora tentava fazer frente ao ar gélido que emanava. Era uma manhã fria,
talvez por isso cada raio de sol que tocava seu corpo ganhava importância, era
como se estivesse sendo acariciada lentamente. Ficou ali por infindáveis
minutos, sem pensar em nada, sem pensar em si e nem nos outros. Não pensava.
Logo abaixo, duas crianças brincavam na manhã gelada como
se o frio não estivesse entre elas. Corriam de um lado para o outro, com mil
sorrisos para cada uma. Debruçou-se na murada e, por um instante, sentiu vontade
de estar lá embaixo, correndo junto com elas, gritando, mas entendeu que não
podia mais ter aquele sorriso, ele tinha idade. Alguns conseguem manter a mesma
essência, mas nunca o mesmo sorriso. Aquele sorriso não sofrera as cobranças da
vida, não havia sido informado que a brincadeira não era o ápice da vida.
Voltou para dentro, ficara muito tempo na sacada, o sol,
as crianças e o frio a haviam feito perder a noção de tempo, contudo isso pouco
importava, devia satisfação apenas para si mesma.
Pensou em deitar no sofá um pouco. Desistiu. Iria preparar
o almoço, foi a geladeira e tirou todos os ingredientes. Colocou-os sobre a pia
distribuídos como tropas à espera de uma batalha. Habituou-se a agradar aos
outros, precisava aprender a agradar a si. Perguntou-se o que desejava, e,
inconscientemente, iniciou um monólogo sobre o que faria no almoço. Discutiu
por algum instante, rebateu a si mesma, contra-argumentou, brigou, desistiu,
voltou atrás, chorou. Por fim, decidiu por um cardápio.
Realizou o preparo com carinho nunca antes feito, era o
almoço mais importante da sua vida. Enquanto casava os ingredientes de forma
minuciosa, surpreendeu-se com o bem-estar proporcionado por dedicar-se ao seu
bel-prazer. Cada etapa finalizada lhe trazia um prazer indescritível, estar
preocupada com seu próprio gosto, sua vontade, fazia com que, de alguma forma,
ganhasse vida, ocupasse um espaço que nunca havia se dado conta que possuía.
Arrumou a mesa como que para uma rainha. Os talheres
milimetricamente dispostos na mesa vazia. O prato como um senhor da mesa.
Olhava ansiosamente para o relógio, cada segundo se arrastava lentamente. Olhou-se
de relance no espelho, resolveu passar um batom, colocou o brinco que mais
gostava, usou o mais caro perfume, vestiu-se como uma majestade.
O almoço ficou pronto. Serviu-o com muito cuidado, sentou
à mesa como se ali fosse um trono.
Como uma rainha assume um reinado, assumiu o comando de
seu próprio reino. Foi o melhor almoço de sua vida. Estava plena.
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