domingo, 22 de julho de 2012

Cadê o leitor que estava aqui?




Casal orgulhoso no hospital acaba de dar as boas vindas a um lindo garotinho. Imediatamente o pai orgulhoso comenta com seu amigo mais próximo; esse vai ser craque, nasceu o novo Messi. A criança cresce sempre amparada por uma bola. Assiste o pai em frente à televisão torcendo loucamente por 11 jogadores que correm atrás de uma bola. Durante seu crescimento, ao jogar futebol, gritava: “Olha pai, olha! Igual o Messi!” Mesmo o lance saindo torto e sem sucesso, o pai aprova com a cabeça e afirma: “mas é melhor que o Messi”. O filho se desenvolve no esporte, de forma livre e principalmente estimulada. Até os 14 anos, a não ser que se tente realmente uma carreira profissional, não há compromisso com trabalho físico, tático ou qualquer outro tipo de teoria a respeito do futebol, simplesmente se joga. Quando o filho encara a realidade que não será um craque, ele aceita naturalmente o fato e na grande maioria dos casos continua a jogar como diversão mesmo sabendo que não joga lá aquelas coisas.
            A questão que vem a tona é: por que isso não ocorre em relação ao Português?
            A criança ao descobrir a fala se maravilha, poder expressar seus sentimentos e vontades de forma verbalizada é um desafio estressante, entretanto extremamente instigante para a criança. Assim como a possibilidade de decodificar códigos, e deles obter sentido, é um momento mágico. A todo instante ela chama o pai ou a mãe e diz: “Olha mãe, ali diz chocolate.” Notem que até esse ponto, os processos do primeiro e do atual parágrafo são muitos parecidos. Contudo é aqui que ocorre o primeiro problema. Enquanto que no primeiro caso a resposta por parte do ouvinte (seja pais, amigos, conhecidos) é em grande parte positiva, aqui já não se tem o mesmo retorno. Seguindo a cronologia temporal, a inserção da criança na escola é algo novo para ela e para sua família. E a escola trata da mesma forma, a criança é acolhida e apresentada a um ambiente totalmente novo, estuda brincando. Nos primeiros anos de escola a leitura é prazerosa e focada no desenvolvimento da capacidade de decifração do código linguístico. O aluno lê por lê. É como o menino jogando bola inocentemente com os vizinhos no campo baldio ao lado de casa.
            Todavia, essa realidade muda e ocorre o segundo problema, com o passar do tempo a leitura não acontece mais por puro prazer. Começa a ocorrer a leitura para algum propósito previamente estipulado pelo professor. É como que alguma pessoa entrasse no campinho baldio do bairro, e estipulasse novas regras. Imagine que para se jogar futebol no campinho do bairro fosse imposta a necessidade de uniformes, meias da mesma cor, chuteiras e caneleiras, calendário de horário dos jogos previamente constituído, além de avaliações constantes em relação ao desempenho de cada atleta nas partidas. Com certeza metade dos frequentadores do campinho deixariam de visitá-lo.
            O português é o futebol, e o nosso campinho são os textos. E como era de se esperar, grande parte dos alunos abandonam esses campos de forma prematura, e principalmente traumática. O reflexo pode ser visto na pesquisa encomendada pelo Instituto Pró-Livro (IPL) ao Ibope Inteligência, que aponta que o Brasil possui 50% de não leitores.
           Ao contrário do que se pode imaginar, a culpa não se recai ao professor. Há uma política educacional por trás do fato. Como exemplo, na Finlândia, um dos melhores sistemas educacionais do mundo, as crianças só recebem lições de casa a partir dos 16 anos e a avaliação não se da através de notas e sim por critérios descritivos evitando comparações entre os alunos. Os professores passam em média 4 horas por dia dentro de sala de aula e reservando duas horas para aprimoramento profissional. O salário da profissão é de 2,4 mil euros (cerca de R$ 6000,00) e é necessária a titulação de mestre para exercer a função. Resultado, a profissão de docência no país, é altamente prestigiada. E o reflexo estende aos alunos, 94% dos estudantes aptos concluem o ensino secundário. E mesmo assim não estamos falando do maior salário pago aos educadores no mundo, esse posto pertence à Austrália.
            Criou-se no país uma ideia de que ou o professor é culpado por tudo ou o governo não remunera o profissional de maneira adequada. Na verdade é toda uma realidade que conspira para que cada vez mais nosso “campinho” esvazie. Há uma urgente necessidade de mudança social em todos os níveis da sociedade para se concretizar uma educação de qualidade. Enquanto professores da Finlândia permanecem em média 4 horas por dia em sala de aula, no Brasil professores estão 10 horas por dia em sala de aula, será que com tal carga horária existe a possibilidade de um professor desempenhar um trabalho diferenciado? Um professor de português com 6 turmas de 30 alunos poderá trabalhar produção de texto de forma satisfatória sem abdicar de sua vida social? Lembrando que é altamente difundida a ideia de que para se criar estudantes capacitados em leitura e produção de texto, é fundamental um trabalho de produção, correção, recriação de textos. Seriam “meros” 180 textos por semana, se imaginarmos um trabalho de produção constante.
           Um sistema educacional assertivo passa diretamente por uma visão completa do cenário, e não apenas superficial, abordando todos os pontos e não apenas um problema isoladamente. Ao menos que algo do gênero seja idealizado, o Brasil continuará como o maior exportador de jogadores de futebol do mundo, apenas de jogadores.

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